UHLANDSTRASSE, 144

Eu morei em Berlim em 1978. Faz tempo. Na época, a cidade era cercada pelo muro que impedia os alemães de Berlim Oriental de se mudarem para Berlim Ocidental. O curioso é que, na maioria das vezes, muros em volta de cidades servem para impedir que elas sejam invadidas. Em Berlim era o contrário: o muro foi construído para impedir que os moradores de um lado fugissem para o outro.

Estrangeiros não tinham nenhum problema para entrar ou sair de Berlim Oriental e podiam fazê-lo de metrô ou pelo famoso Check-point Charlie. Você tomava o metrô em Berlim Ocidental e descia numa estação em Berlim Oriental. A primeira vez assustava, depois era numa boa.

Eu era convidado do Governo da Alemanha Ocidental e fui várias vezes a Berlim Oriental, onde ficavam alguns museus deslumbrantes. O Brasil vivia o Regime Militar, por isso amigos me perguntavam se eu não tinha medo dos carimbos de entrada e saída no passaporte.

Em Berlim, eu estudei alemão. Era condição da Bolsa que os convidados pela República Federal da Alemanha começassem o programa estudando alemão em Berlim Ocidental.

Foi um período rico em emoções e aprendizado. Morar numa cidade cercada por um muro, com mil tanques russos em volta, pode ser opressivo. Muita gente se sentia mal. Eu nunca tive qualquer problema com isso.

Para mim, Berlim era o paraíso. Música, teatro, shows, cinema, gente nova, vida nova, realidade nova, tudo mexia comigo, me fazia querer mais.

Entre as melhores lembranças que eu tenho daquela época está um restaurante brasileiro chamado Cangaceiro. Ficava na Uhlandstrasse, 144, mais ou menos perto da Kurfuerstendamm, a avenida central da cidade.

O Cangaceiro não existe faz muito tempo, mas todas as vezes que voltei a Berlim fiz questão de ir até a Uhlandstrasse, 144 matar a saudade.