Por que deveria comer se sei que não gosto?
Uma irmã de minha avó não comia quiabo, nem jiló. Prática que eu considero saudável, tanto que também não como nem um, nem outro. O que é completamente diferente de não comer nhoque, que também não como.
Jiló e quiabo existem, não há como negar. Já o nhoque é como Caraguatatuba: não existe, portanto, não pode ser comido. Caraguatatuba é um pesadelo, pesadelo é um sonho ruim, sonho não existe, logo, Caraguatatuba não existe. Ora, se Caraguatatuba não existe e o nhoque é como Caraguatatuba, ele também não existe, assim, não pode ser comido.
Resumidamente, comer nhoque não é comer, é não comer. Afinal, ninguém pode comer o que não existe. O nhoque é uma ilusão.
Mas voltando à minha tia avó, ela não comia quiabo, nem jiló, não importava o que os outros fizessem para levá-la a experimentar e quem sabe mudar de opinião.
Mulher de personalidade forte, tia Judith não aceitava palpites, fossem a favor ou contra, indistintamente. Ela sabia que não gostava de quiabo, nem de jiló, então não havia razão para os amigos insistirem em que ela comesse os dois legumes – se é que são legumes.
Para ela não havia razão para discussão. Afinal, cada um come o que quer, ou melhor, gosta ou não gosta de comer isso ou aquilo e gostar ou não gostar é um ato individual e intransferível.
Eu gostaria de ter tido esta clareza e livre arbítrio quando era menino. Minha mãe me obrigava a comer fígado, rim, miúdos de frango e outras coisas que eu não gostava e eu não tinha argumentos contra o “come” que ela me dizia. Hoje seria diferente, mas não foi hoje, foi ontem…
Um dia perguntaram para minha tia se ela já tinha comido quiabo. Sua resposta é um primor de clareza, lógica e bom senso. Ela olhou o interlocutor de alto a baixo e respondeu: Por que eu deveria comer se sei que não gosto?
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