O cemitério vandalizado
No dia do enterro de minha tia Laurita, cheguei mais cedo no Cemitério da Consolação e fui ao túmulo da família de meu pai andando pelas alamedas secundárias, desde a capela até o túmulo deslumbrantemente singelo esculpido por Brecheret, a pedido de meu bisavô.
Fiquei estupefato com o estado lastimável do mais antigo cemitério paulistano. Os túmulos foram estuprados. Como lembrança da violência, as manchas mais claras nas pedras de onde foram arrancadas as placas com os nomes das pessoas enterradas, são apagões na memória das gerações.
Alguns túmulos não guardam a mais vaga lembrança de quem descansa neles. São quase ruínas, devastados pelos ladrões que levam o bronze das sepulturas como os antigos ladrões de túmulos profanavam as tumbas egípcias para roubar o ouro dos faraós.
Mas ouro e bronze são metais diferentes. Não há comparação possível entre o valor de um e de outro. Uma barra de ouro vale uma pequena fortuna, mas quanto pode valer um quilo de bronze?
E no entanto, o cemitério está completamente devastado, como a ruína de um bombardeio aéreo ou de guerra religiosa tentando apagar a memória do outro.
Sem as placas, os vasos, os enfeites e a estatuária os túmulos são tristes blocos de pedra, muitas vezes desventrados, mostrando o interior escuro através das entradas que as portas escondiam, mas, como se vê, não protegiam.
Cadê a obrigação de prefeitura guardar o espaço dos mortos? Proteger o passado do ataque de bestas feras? Ninguém sabe de nada, os guardas vão para um lado, os ladrões agem do outro. A pergunta que não quer calar é por que não instalam câmeras para vigiar os cemitérios? Esse é o retrato do Brasil: dane-se o próximo, importante é salvar o meu.
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