Não tem vida fácil
Quando eu era criança, a vida era muito mais fácil. Quem pegava no batente eram meus pais. Eu ficava no bem bom de nossa casa, na fazenda, ou no Guarujá, com jeito de criança mimada, na companhia de outras crianças mimadas, minhas irmãs, primos e amigos.
Dessa época eu me lembro de minha mãe, e eu com ela, indo buscar meu pai no final da tarde, perto da Praça da Sé, onde ficava seu escritório, ou no Tribunal de Justiça. Era a época de um único carro por família. O segundo chegou no começo dos anos 1960, um fusca cor de areia, no qual aprendi a dirigir, completando as lições na direção de uma potente Kombi.
Depois, virei teenager e passei pelas loucuras dessa fase. Aí a vida começou a pegar pesado, mas, comparado com que vi ao longo do caminho, o pegar pesado era uma brincadeira. Namorada que deu o fora, a festa que não pude ir, a viagem que não foi feita, enfim, nada que tirasse pedaço, ainda que com algumas lágrimas embaçando os olhos.
É que meus pais continuavam pegando no pesado. Nós tocávamos em frente, na mesma fazenda, no mesmo Guarujá e nas fazendas e sítios dos amigos ou em viagens sem adultos da família.
E veio a descoberta do mundo da gente grande. Mas a vida continuava correndo mais ou menos fácil. Meus pais continuavam próximos e o mundo batia de leve, enquanto o CPOR, a faculdade e o primeiro estágio abriam as portas para o que desse e viesse.
E o desse e viesse começou a vir. Cada vez com mais peso. A vida mostrou sua cara. E que, se pode ser boa, é dura. Não há como dizer que ela é fácil. Mortes, doenças, sofrimentos, crises se encarregam de criar o contraponto para o riso, que às vezes ainda chega solto, mas já não é tão solto como antigamente. É outro enfoque, que também pode ser muito bom.