Não reclame de bolso cheio
Eu tinha um amigo caipira da gema, caçador de paca, tatu, nhambu e juriti, que dizia, quando alguém reclamava: “Reclamando do quê? Podia ser muito pior”.
Para ele a vida era um longo caminho, com picadas morro acima, descidas íngremes, vales profundos, campos, mata fechada e, nas quebradas da trilha, um barranco com sombra, um riacho descendo pelas pedras e caça fácil de matar e comer com calma, nos pousos da jornada.
Otimista, olhava o mundo com olhos amigos, mas espertos, pronto para aproveitar a chance de melhorar a vida. Não tinhas grandes expectativas. Felicidade era tocar as rotinas da semana e no final da tarde entrar na mata. Tanto fazia se caçava ou não, o bom era entrar na mata e ficar pitando um cigarro de palha, escutando os barulhos da noite, com a espingarda na mão, prestando atenção para ouvir a caça no carreiro.
Não gostava de reclamações. Para ele, em vez de reclamar, as pessoas deveriam se preocupar em tocar a própria vida da melhor forma possível, porque tinha sempre um jeito de ficar prior.
É por isso que quando alguém me diz que está ficando velho, se queixa que as coisas estão difíceis ou que a vida é dura, eu respondo que a alternativa é muito pior.
Estar vivo não tem preço. A vida é o dom dos dons. Sem ela não tem nada, você não existiria. Existir é tão bom que dá espaço até para se queixar da vida. E eu conheço pouca gente que não queria estar viva.
Normalmente, quem se queixa não tem muito motivo para se queixar. A vida é dura para todos. E, perto das misérias do mundo, vai muito bem, obrigado, de barriga cheia, casa limpa, roupa lavada, automóvel na garagem e grana no bolso porque, se dinheiro não traz felicidade, ajuda bem.
Pense nisso: está ruim? A alternativa pode ser muito pior.
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