Violência endêmica
Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo
por Antonio Penteado Mendonça
Algumas regiões do Brasil sofrem com endemias, como a dengue no Ceará, no Rio de Janeiro e um pouco menos em São Paulo, a malária nos estados do centro, a hanseníase no norte.
Mas não são só as doenças que são endêmicas. Outros fatores de risco podem ser considerados como epidemias e endemias, com alto custo social. O número de casos de desnutrição infantil, estupros, violência contra a mulher e abortos, com certeza caracterizam endemias que, pelas próprias particularidades, acabam sem a atenção necessária dentro de uma política nacional de combate ao altíssimo número de óbitos resultantes de fatores de risco perenes que ameaçam a população brasileira.
Se o quadro se encerrasse aí, já seria uma catástrofe que nos aproxima muito mais do cenário africano do que do europeu. O diabólico no caso é que os custos decorrentes da incúria das autoridades é absurdamente elevado e compromete as políticas sociais do país, por retirar recursos indispensáveis ao desenvolvimento sustentável para fazer frente a atendimentos emergenciais.
Se o custo em óbitos, esterilidade, invalidez e traumas de todos os tipos é altíssimo, mas não comove os encarregados da gestão pública, qual o custo em dinheiro envolvido com estas mazelas?
Quanto o governo acaba tendo que pagar em função do atendimento destes casos? Em primeiro lugar, na rede pública de saúde e, depois, através da previdência e da assistência social?
Este cenário poderia ser diferente se houvesse uma política de valorização do ser humano, baseada no atendimento a saúde e educação, desde antes do nascimento. Todavia, não é isso que se vê. Ao contrário, há pouco investimento em saneamento básico e tratamento de água, como há pouco investimento na melhoria dos serviços de saúde, para não falar no descaso com a educação, em todos os seus níveis.
Apenas isso seria dramático, mas há mais. O Brasil é um dos campeões do mundo em número de acidentes do trabalho. Fica na mesma posição quando o referencial são os assassinatos por ano e não perde nada quando a conta é feita com o total dos mortos pelo trânsito no país.
Os assassinatos e o trânsito ceifam mais de cem mil vidas anualmente. É o dobro das baixas norte-americanas em dez anos de guerra do Vietnam. E nós comentamos com horror os mortos ao redor do mundo, como se estivéssemos no paraíso terrestre.
Agora surge mais uma endemia. E esta se espalha com rapidez impressionante por todo o território nacional. As drogas, com ênfase para o crack. Devastador e invariavelmente fatal, o crack vai se infiltrando em todas as classes sociais, nas grandes cidades e no interior.
Barato, fácil de fabricar, usando as sobras do processo de produção de cocaína, o crack mudou a escala da venda de drogas no país e, consequentemente, o número de dependentes.
Mais uma endemia que vai cobrar um preço absurdo, em termos de mortes, desestabilização sócio-familiar, assassinatos, roubos, furtos e todas as outras formas de violência que custam caro e assolam o Brasil.
Por que este artigo? Porque o escrito acima tem forte impacto na atividade seguradora. Doenças, deficiências físicas e imunológicas, falta de alimentação, de educação, violência doméstica, no trânsito, assassinatos, drogas e todos os outros tipos de crime impactam severamente o desenvolvimento e o preço da atividade seguradora.
A razão de ser do seguro é a proteção social, com a seguradora arcando com os prejuízos e as perdas financeiras que afetem os seus segurados, em função de eventos pré-determinados, previstos no contrato. Todas as endemias e epidemias acima atingem diretamente os seguros de pessoas, os planos de saúde privados, a previdência privada e os seguros patrimoniais. Em outras palavras, por conta delas, o seguro no Brasil custa mais caro do que nos países onde ações de governo reduzem o seu impacto.
Mas o dado realmente cruel é que a maioria das vítimas não tem seguro e depende de um Estado que gasta muito, mas deixa de atender as necessidades básicas de metade da população.
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