Uma tragédia chamada trânsito
Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça
O trânsito mata no Brasil entre 50 e 60 mil pessoas por ano. Além disso, deixa permanentemente inválidas outras 630 mil. Qual o custo destes números aterradores? Apenas o seguro DPVAT (seguro obrigatório de veículos automotores terrestres) pagou em 2015 mais de 3 bilhões e 300 milhões de reais em indenizações.
Mas o seguro obrigatório é apenas um canal de redução dos danos. Ele não atua na prevenção dos acidentes, mas apenas na minimização dos prejuízos sociais, representados pelos mortos e inválidos que deixam suas famílias, muitas vezes, em situação de absoluta miséria.
A função do seguro é diminuir o sofrimento das pessoas, permitindo que com a indenização possam se manter pelo tempo necessário para substituir a fonte de renda perdida com a morte ou invalidez da vítima do acidente.
O capital do DPVAT para morte e invalidez total permanente está em R$ 13.500,00. Muitos consideram o valor baixo. Por outro lado, é necessário verificar quem são as vítimas do trânsito nacional. E estas são, na imensa maioria, pessoas de baixa renda, com as motocicletas ocupando lugar de destaque entre os responsáveis pela carnificina das nossas ruas.
É impressionante a demagogia que permeia o assunto. A quantidade de declarações, de projetos de leis, de promessas de medidas destinadas a melhorar as condições de segurança de nossas ruas e estradas faz do Governo, em seus três níveis, o maior mentiroso do país.
Uma olhada rápida nas nossas estradas e ruas é suficiente para mostrar que entre o discurso e a realidade há um espaço enorme, que as autoridades tentam deixar para lá, mas que é o verdadeiro responsável pelo quadro dramático de nossas ruas.
Começando pelas rodovias que cortam o Brasil, quantas, tirando a maioria das rodovias paulistas e algumas privatizadas em outros estados, têm condições mínimas de segurança? Quantas têm pistas sem buracos, crateras, erosões, costelas de vaca ou ondulações? Quantas têm um mínimo de placas de sinalização informando o que vem pela frente? Quantas têm faixas separando as pistas? Quantas têm passarelas de pedestres, pontes e viadutos em locais de trânsito intenso ou cruzamentos movimentados?
Nas cidades, a situação não é diferente. Uma rápida volta por qualquer parte de São Paulo é suficiente para mostrar o lastimável estado de conservação, não apenas de ruas secundárias, mas das principais vias e avenidas que cortam a cidade. Buracos, crateras, erosões, costelas de vaca, falta de faixas separando as pistas, faixas de pedestres colocadas em locais impróprios, pontos de ônibus e taxis instalados em locais inadequados, semáforos apagados ou embandeirados, remendos mal feitos, curvas com inclinação ao contrário ou com ângulo equivocado, etc., dão uma vaga noção do tamanho da barbárie e equiparam a administração da cidade ao que existe de pior entre os responsáveis pelas mazelas do trânsito nacional.
É verdade, o motorista brasileiro ajuda muito na hora de piorar o que já está ruim. Boa parte não tem qualquer prática de dirigir em estradas, mas não faz a menor cerimônia em entrar no carro e tocar para o litoral, a montanha ou visitar parentes, nos meses de férias. Outros enchem a cara como se estivessem numa orgia pagã e depois entram em seus carros e saem feito loucos, passando em cima de quem estiver na frente. Finalmente, outros dirigem veículos sem a menor condição de segurança, sem saber se conseguirão frear se acontecer um imprevisto à sua frente.
Mais uma vez, é a ausência de seriedade das autoridades que é a grande responsável. Os motoristas são mal preparados porque tirar carteira de habilitação no Brasil é uma brincadeira que não exige que o interessado tenha a menor noção de dirigir. Os acidentes causados pelos bêbados acontecem porque a chance de alguém ser condenado é mínima. E os carros sem condições trafegam porque não há polícia para retirá-los das ruas.
Quer dizer, a tragédia do trânsito tem responsável e ele se chama Governo. Enquanto isso não mudar, o resto é balela.
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