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Crônicas & Artigos

em 07/12/20

Um seguro obrigatório é essencial

Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça

Faz pouco tempo, a assembleia das seguradoras integrantes do Consórcio do DPVAT decidiu pela extinção do Consórcio. Isso quer dizer, na prática, que a Seguradora Líder, gestora do DPVAT, o seguro obrigatório de veículos automotores terrestres, vai operar como uma seguradora plena, vendendo os bilhetes, apenas até 31 de dezembro. Depois dessa data, ela passa a ser responsável pelo run off da carteira e o encerramento do modelo atual do seguro obrigatório, fazendo os acertos necessários para honrar os passivos e liquidar as ações judiciais em curso.

Até agora não está claro quem fez força para acabar com o DPVAT. A participação da SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) no processo é indiscutível, com o preço atual do seguro sendo a prova insofismável do interesse da autarquia em inviabilizar a operação da Seguradora Líder. Como se não bastasse, a SUSEP nunca escondeu que queria se apropriar de bilhões de reais em reservas, constituídas com recursos privados, com finalidade específica, administrados por uma empresa privada, na qual o governo nunca colocou um centavo, nem tem participação acionária.

O DPVAT e a Seguradora Líder foram sistematicamente acusados de impropriedades e até de fraudes que, curiosamente, nunca foram trazidas a público, exceto os golpes contra o seguro, nos quais a Líder, evidentemente, é a vítima e não a autora. Crime não se alega, se prova. E esta prova está faltando, mas a discussão, agora, não é o passado e sim, o que pode e deve ser feito num futuro muito próximo.

A partir de primeiro de janeiro de 2021, o DPVAT deixa de ser comercializado pela Seguradora Líder, em função da decisão das seguradoras integrantes do consórcio do seguro obrigatório de acabar com ele. Sem a comercialização pela Seguradora Líder, o Brasil deixa de ter a única proteção de perto de quatrocentas mil famílias que recebem anualmente indenização em função de acidentes de trânsito acontecidos no país.

Quando eu digo anualmente, não quer dizer que as mesmas famílias recebem todos os anos o seguro obrigatório. Quer dizer que todos os anos o trânsito nacional joga na conta da violência quatrocentas mil novas vítimas, que geram e recebem indenizações por morte, invalidez permanente e despesas médico-hospitalares.

A imensa maioria das vítimas dos acidentes de trânsito são pessoas das classes D e E, ou as mais pobres da pirâmide social brasileira. Quer dizer, são pessoas que recebem um salário mínimo por mês ou menos. O DPVAT não é atualizado há mais de dez anos e, todavia, sua indenização por morte corresponde a doze salários mínimos, ou seja, no caso da morte de seu arrimo, a família da vítima receberá o equivalente a um ano de remuneração do trabalho do morto.

É este benefício – a única compensação efetivamente paga às vítimas dos acidentes de trânsito – que deixa de existir a partir de primeiro de janeiro de 2021.

A proposta não é manter o DPVAT como ele fluiu até aqui. Isso está fora de questão, mas o país não pode ficar sem um seguro com as mesmas características do DPVAT, porque, sem ele, centenas de milhares de pessoas que já vivem na pobreza, em caso de serem vítimas de acidentes de trânsito, correm o risco de caírem na miséria.

A matéria depende do Congresso Nacional. O DPVAT é previsto em lei federal, então é lá que é o foro para a discussão do que deve ser feito. O que não pode acontecer é esta discussão demorar, não apenas pelo já exposto, mas porque a operacionalização de um seguro como este, com abrangência nacional, pagando indenizações em áreas desenvolvidas e em outras miseráveis, é complexa, cara e exige uma sofisticada rede de atendimento, sob risco de, em não existindo, as indenizações não serem pagas e as fraudes se multiplicarem.

É importante lembrar que a rede de regulação e pagamento de indenizações gerenciada pela Seguradora Líder atende todo o território nacional, está implantada e funciona bem. Não levar isso em conta será apenas repetir a antiga tendência brasileira de reinventar a roda quando o mundo viaja de avião.

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