Sobre a queda do avião russo
Originalmente publicado no jornal Tribuna do Direito.
por Antonio Penteado Mendonça
A queda do avião russo sobre o Egito, causada pela explosão de uma bomba, provavelmente colocada por um funcionário do aeroporto, diretamente sobre as bagagens que estavam sendo carregadas ou no interior de uma mala, levanta importantes questões sobre as responsabilidades envolvidas, o pagamento das indenizações, especialmente para os beneficiários dos mais de 200 mortos e o comprometimento dos seguros envolvidos.
É importante se ter claro que as responsabilidades dos causadores do acidente, dos segurados e das seguradoras não são as mesmas e não se confundem. Há sempre uma responsabilidade original, que desagua em outras responsabilidades, que formam uma cadeia na qual as diferentes apólices de seguros serão acionadas.
As apólices de seguros não cobrem todos os sinistros. Os clausulados contêm riscos excluídos, bens não cobertos e perdas de direito que limitam a responsabilidade da seguradora. Isto pode acontecer por vontade do segurado ou pelo fato de se tratar de um contrato de adesão.
Os seguros aeronáuticos são bastante abrangentes. Mas a queda do avião russo foi decorrente da explosão de uma bomba colocada no seu interior. Trata-se de um ato terrorista e os seguros para atos de terrorismo sofreram forte limitação após o atentado de 11 de setembro. Então, é preciso saber se o seguro do avião tinha cobertura para atos de terrorismo.
Ainda que abatidos por artefatos destinados a destruí-los, o acidente do Egito não é semelhante ao acidente com o avião da Malásia, abatido por um míssil na Ucrânia. O seguro indenizou as perdas com o avião que caiu na Ucrânia, mas lá não se tratou de ação terrorista. O avião foi abatido por um míssil disparado quando sobrevoava um território em situação de guerra civil e próximo da fronteira com a Rússia. No Egito, não. O avião caiu derrubado pela explosão de uma bomba colocada em seu interior por um terrorista.
Este fato coloca como primeiro responsável o encarregado pela segurança da aeronave no solo. Quem é o responsável pela verificação do conteúdo da bagagem e quem é o responsável pela verificação do que é embarcado? A primeira resposta é óbvia. O responsável pela verificação da bagagem são as forças de segurança do país onde está localizado o aeroporto. A segunda já não é tão clara e pode ser tanto as forças de segurança nacionais, como a companhia aérea.
Um acidente desta natureza, no Brasil, seria tratado sob as regras da responsabilidade objetiva. Tanto porque a legislação consumerista assim determina, como pela interpretação do Judiciário, na qual a jurisprudência já consolidou a responsabilidade objetiva do transportador de passageiros, inclusive em acórdão determinando o pagamento de indenização para passageiro atingido por bala perdida dentro de um ônibus. Aliás, esta posição se repete na queda do avião da Gol, atingido por outra aeronave voando fora de sua rota.
Mas este não seria o problema. Os seguros aeronáuticos em geral adotam a responsabilidade objetiva para o pagamento das indenizações de responsabilidade civil. A prova é o acidente com o avião da Malásia, abatido na Ucrânia. Mesmo num acidente como o que derrubou o avião russo, em princípio, tendo por base o seu comportamento em outros acidentes aéreos com causas complexas, a maioria das seguradoras pagaria a indenização.
O que pode complicar o quadro é o fato de se tratar de ato terrorista e o tratamento dado por cada nação para o assunto. Neste acidente, temos envolvidos pelo menos os Governos do Egito e da Rússia, com legislações e abordagens diferentes, tanto no que tange a atos de terrorismo, como no que diz respeito a responsabilidades e indenizações.
Decisões judiciais eventualmente conflitantes podem modificar o resultado final do sinistro nas contas das seguradoras. Ainda que não interfiram no pagamento das indenizações, podem limitar o direito de regresso contra os responsáveis pelos danos. Será que a Justiça egípcia aceitará a tese da responsabilidade das autoridades do país pela passagem da mala com a bomba pelos sistemas de segurança? E será que a Justiça russa aceitará a responsabilidade da companhia aérea pela colocação da bomba no compartimento de bagagem? Até a solução final, haverá muitas discussões sobre o acidente e elas são importantes porque definirão novas regras para o melhor funcionamento dos seguros aeronáuticos.
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