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Crônicas & Artigos

em 14/09/20

Sem cobertura no seguro de vida?

Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça

No feriado de 7 de setembro, 14 pessoas perderam a vida afogadas nas praias e represas paulistas. É um número alto e que mostra, pelo menos, uma certa inconsequência das vítimas. Ninguém morre afogado em terra seca ou sentado na areia. Para se afogar é necessário estar dentro da água ou pelo menos engolir e respirar água até encher os pulmões e, consequentemente, não haver mais como respirar o ar, indispensável para manter o corpo vivo e funcionando.

A principal causa de afogamento no mar, rio ou represa é a falta de prática da vítima e o desconhecimento da realidade do ambiente. Não é apenas não saber nadar, é não saber nadar naquele determinado sistema no qual a pessoa entra pelas mais variadas razões.

Nadar em piscina é uma coisa, nadar no mar é outra, num rio é uma terceira e num lago, uma quarta. Cada uma tem suas características e elas precisam ser respeitadas para se evitar um acidente de trágicas consequências.

Invariavelmente, a pessoa entra no mar porque está calmo e, se ficar no raso, no máximo com água na cintura, não tem perigo. Só que na prática não é bem assim. Daí as praias mais frequentadas, para proteção dos banhistas, além dos guarda vidas, serem sinalizadas com placas indicativas dos locais não apropriados para o banho de mar.

Só que, como não pretende passar da água na cintura, o cidadão não respeita a placa e entra no lugar proibido, sem saber que a proibição é decorrente de correntes marítimas e buracos no fundo, capazes de fazer a aventura acabar mal, inclusive para nadadores experientes.

Como a maioria dos afogados não tem experiência de mar, eles tentam nadar contra a correnteza para retornarem à praia e fazem isso em local de ondas mais fortes, que ajudam a cansá-los e a começar a engolir água. Como o local não dá pé, o afogamento é o movimento seguinte.

Nos rios, a situação é ainda mais delicada. Nem sempre a calma que se vê na superfície é a realidade pouco abaixo dela. Também calcular a força da correnteza é difícil e tentar nadar contra ela quase um suicídio. Os nadadores que conhecem as manhas dos rios, se presos pela correnteza, deixam-se levar por ela e nadam lentamente em direção a uma das margens.

O grande perigo das represas e dos lagos é que no seu fundo invariavelmente existem tranqueiras formadas pela vegetação e por galhos de plantas submersas, nas quais o cidadão fica preso durante um mergulho. Ele simplesmente não consegue retornar à superfície.

Os seguros de vida, como todos os seguros, têm cláusulas de exclusão de cobertura e de perda de direito à indenização. Entre elas, duas se aplicam ao artigo, a saber, a que diz que é risco excluído a prática pelo segurado de ato perigoso não decorrente de necessidade e a que diz que o beneficiário do seguro perde o direito à indenização se o segurado agravar intencionalmente o risco.

As situações acima são corriqueiras e nelas é possível a aplicação de pelo menos uma das duas exclusões. A pergunta a ser respondida é simples, porém a resposta não o é: até que ponto pode-se dizer que houve a intenção de praticar um ato perigoso desnecessário e até que ponto houve a intenção de se agravar o risco?

Cada caso é um caso. Daí ser necessário se conhecer os detalhes do evento específico, antes de se decidir pelo pagamento ou não da indenização do seguro. Um banhista que entra no mar calmo, num local liberado para banho e que está no raso quando é atingido por uma onda que o arrasta para o fundo, onde ele se afoga, com certeza não agiu de forma perigosa, nem agravou o risco.

Já no caso de alguém que não sabe nadar, beber quatro caipirinhas e entrar no mar num local com a sinalização proibindo o banho, onde é arrastado pela correnteza, vindo a se afogar, não se pode dizer que não praticou um ato perigoso e proibido, com a agravante de não saber nadar e ter bebido quatro caipirinhas.

Por óbvio, a primeira situação está coberta e deve ser a indenizada. Todavia, na segunda, se trata de caso típico de não cobertura pelo seguro. Assim, a indenização não deve ser paga.

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