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Crônicas & Artigos

em 01/03/16

Seguro e responsabilidade do Estado

Originalmente publicado no jornal Tribuna do Direito.
por Antonio Penteado Mendonça

O maior acidente ambiental do Brasil ainda não esfriou e um novo rompimento de barragem acontece, desta vez em Jacareí, poluindo o rio Paraíba do Sul e deixando mais de 500 mil pessoas da região de São José dos Campos sem água.

O rompimento da barragem da Samarco em Mariana destruiu áreas urbanas, invadiu áreas agrícolas e poluiu ainda mais o Rio Doce, que estava longe de ser um dos rios mais limpos do Brasil. O total dos prejuízos é desconhecido e, muito embora não deva atingir o patamar de 20 bilhões de reais pretendido pelo Governo Federal, alcançará, com certeza, pelo menos alguns bilhões, se transformando no mais caro desastre ecológico acontecido até agora no país.

Uma das certezas que envolvem o acidente é que o seguro da mineradora é insuficiente para fazer frente sequer a uma pequena parte dos prejuízos. O seguro que dá cobertura para este tipo de dano é o seguro de responsabilidade civil estabelecimentos comerciais e ou industriais, o chamado RC Operações, que indeniza os danos ao meio ambiente decorrentes de evento súbito e imprevisto, como foi o rompimento da barragem do lago de contenção dos rejeitos do processo de mineração.

Não vem ao caso o porquê da mineradora ter contratado apólice com capital segurado muito abaixo do mínimo razoável, diante da possibilidade de um acidente de grande magnitude, como o ocorrido.

O fato a ser ressaltado é que o seguro não impede a ocorrência do evento. Ele age depois, indenizando as perdas ocorridas, o que nem remotamente refaz as condições existentes antes do sinistro. Quer dizer, o seguro minimiza prejuízos, mas não tem o dom de impedir que eles aconteçam, nem a capacidade de ressarci-los integralmente.

E nos dois acidentes que servem de exemplo, se ele seria uma solução para proteger a empresa, no caso da Samarco, no acidente de Jacareí, ele não serviria para nada, já que não pagaria a indenização, uma vez que a operação da mineradora responsável era absolutamente ilegal porque ela estava usando secretamente o lago de outra empresa desativada.

Então, se o seguro não é a solução para evitar a repetição de outros rompimentos de barragens, quem deveria agir para que a legislação fosse respeitada pelas empresas responsáveis pelos milhares de lagos, lagoas, açudes e reservatórios espalhados pelo Brasil?

Esta é a verdadeira questão. E a resposta é simples e objetiva, com base na legislação, a começar pela Constituição Federal, que atribui o poder de polícia e o uso da força exclusivamente ao Estado.

Esta atribuição não se aplica apenas à fiscalização de grandes obras, como as barragens, mas se destina – ou deveria se destinar – especialmente aos estabelecimentos que recebem grandes quantidades de público, como a Boate Kiss, onde centenas perderam a vida em função de um acidente onde a omissão do Estado foi patente.

O Estado brasileiro, em seus três níveis, é absolutamente ineficiente no uso do poder de polícia que lhe é outorgado pela Constituição Federal. Demora na análise dos projetos e documentação, não fiscaliza as obras, não fiscaliza a operação, tem funcionários corruptos, não se preocupa com a situação em volta, nem toma qualquer providência para ao menos verificar se suas exigências foram cumpridas.

Neste sentido, a ação movida pela União contra a Samarco, no valor estapafúrdio de 20 bilhões de reais em indenizações, deveria ter, no polo passivo, não apenas a mineradora e seus acionistas, mas também os órgãos oficiais encarregados das licenças e fiscalizações da barragem e de sua operação.

A omissão do Estado gera a obrigação de arcar com as perdas em decorrência dela. Por mais que políticos sem escrúpulos tentem se valer da desgraça alheia para capitalizar votos a seu favor, usando a morte e a destruição como pano de fundo, a verdade é que eles deveriam ser colocados no banco dos réus, tanto pela omissão por incompetência, como pela omissão por corrupção, respondendo no cível e no crime.

O triste é que o Brasil está pronto para ver outros acidentes como o de Mariana, da Boate Kiss ou da Serra Carioca. Estes eventos geram prejuízos dramáticos, mas não geram ações concretas para evitar sua repetição. Neste quadro, tanto faz ter seguro. Mesmo porque a maioria dos eventos não será indenizada, em função de irregularidades nos projetos, na operação e na fiscalização.

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