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Crônicas & Artigos

em 09/11/20

Seguro é para usar

Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça

A não ser gente mal-intencionada, ninguém contrata seguro pensando em usá-lo. A proposta por trás de uma apólice é a segurança de ter um bem reposto, no caso de acontecer um evento que cause sua perda. A razão de ser do seguro não é evitar o sinistro, mas minimizar as perdas, através do pagamento da indenização. É por isso que o risco não é transferível. O risco será sempre do segurado. Não tem como a seguradora morrer no lugar do segurado, ou pegar fogo no lugar da casa do segurado, ou bater no lugar do carro do segurado. O que a seguradora faz é assumir a obrigação de pagar uma quantia em dinheiro no caso do segurado sofrer um prejuízo previsto e coberto pela apólice de seguro.

Até alguns anos atrás eu tinha certeza de que jamais cobraria uma indenização decorrente de um sinistro de incêndio. Também não via razão para ser indenizado por roubo residencial. Seguro para usar era o seguro do veículo e o plano de saúde privado, mesmo assim, para exames e consultas de rotina.
Mas o mundo gira e a cada vinte e quatro horas estamos sujeitos a eventos que podem não depender de nós, mas que acontecem, tanto faz o que achemos. Foi assim que um belo dia eu precisei usar o seguro de incêndio de minha casa.

Num domingo de manhã senti cheiro de queimado. Achei estranho, mas no princípio não dei muita bola. Uma rápida olhada pelo imóvel me mostrou que, se tinha alguma coisa queimando, não era dentro de casa. Não me preocupei mais até sentir o cheiro de queimado um pouco mais forte. Fui até a lavanderia e lá o cheiro era francamente forte, além do que tinha fumaça do lado de fora.

Abri a porta e do lado de fora dei com nossa empregada olhando apavorada para dentro de seu quarto. Era de lá que vinha a fumaça. Fui até a entrada do quarto e olhei para dentro. Algo queimava em cima de sua cama, mas não havia chama, só uma fumaça densa. Peguei um balde com água e joguei na cama e outro e outro. Entrei no quarto e retirei o colchão. Era ele que estava queimando. Como era de espuma, não havia chama.

Em princípio, foi um evento pequeno. Mas o estrago causado pela fumaça não teve nada de pequeno. O aposento estava com as paredes negras, o armário de roupas chamuscado, as roupas da empregada se desfaziam nas mãos e a cama e o colchão estavam destruídos. Para completar, a água que eu joguei criou uma lama escura que se espalhou pelo chão e atingiu o rodapé.

Perto do que aconteceria se a casa pegasse fogo, a indenização paga não foi muito alta. Mas pagou a limpeza e a pintura do quarto, uma nova cama e seu colchão, o armário e as roupas da empregada.

Da mesma forma, quando, alguns anos depois, minha casa foi assaltada, o seguro residencial pagou tudo que foi roubado, de objetos a roupas. A partir destes dois eventos descobri que se nós contratamos seguro pensando que não será necessário usá-lo, também contratamos para, em caso de necessidade, chamar a seguradora para indenizar as perdas decorrentes dos prejuízos cobertos.

O que não é surpreendente é que as seguradoras, em mais de 98% das vezes, pagam sem discussão, assim que termina o processo de regulação do sinistro. Nem poderia ser diferente. Seguro é um negócio como qualquer outro, baseado num contrato com obrigações do segurado e da seguradora. Se a obrigação básica do segurado é pagar o prêmio, a da seguradora é pagar a indenização decorrente dos prejuízos causados pelo evento danoso que atingiu o segurado.

Num mundo cada vez mais impessoal e automatizado, com riscos de todos os gêneros ameaçando a vida, a família e os negócios das pessoas, pretender viver sem seguro é uma verdadeira irresponsabilidade. A ordem de grandeza dos prejuízos varia de evento para evento e ela pode se tornar muito pesada. Se o incêndio de um pequeno cômodo custa pouco, o incêndio de uma casa pode consumir praticamente todo o patrimônio de uma família. Sem seguro, ela perde tudo, mas, se estiver protegida por uma apólice, a perda é suportável, porque o grosso dos prejuízos é reposto pela seguradora.

Esta regra vale para a vida, mas o importante é segurar o que pode te fazer falta.

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