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Crônicas & Artigos

em 20/07/20

Resseguro – uma resolução e sua controvérsia

Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça

Desde que o ser humano é o ser humano ele acha que tem razão. É indiferente se outro ser humano também acha que tem razão e se as duas razões são diferentes. O ser humano, tanto faz qual, acha que o que ele acha é que está certo. O que nem sempre é verdade, pelo menos sob a ótica de quem acha diferente.

Em virtude disto, e da necessidade do ser humano viver em sociedade, sob risco de, em não o fazendo, desparecer da face da terra, o ser humano criou regras que se transformaram, primeiro, em mandamentos religiosos e, depois, em ordenamento jurídico, ambos responsáveis pelos padrões éticos pelos quais se pauta uma determinada sociedade.

Sem a lei não há civilização, não há possibilidade de composição, nem a solução civilizada dos diferentes conflitos que fazem parte da vida e que são comuns nos relacionamentos pessoais e empresariais.

O zelo pela certeza das posições pode ser tão radical que acaba desaguando em conflitos insuperáveis, proporcionais ao tamanho da certeza, e que podem variar de uma discussão de jogo de futebol a uma guerra mundial.

Para evitar o acirramento das divergências e a inviabilidade da civilização, criou-se o arcabouço legal sob o qual giram todas as ações e atividades humanas. São normas internacionais, nacionais e locais, aceitas pelas nações e pela sociedade como o certo, o preponderante e o que pauta a vida privada e os negócios. A sua materialização se dá através das leis e de sua interpretação pelo Poder Judiciário.

No Brasil, o sistema legal é baseado no Direito Romano, ou seja, é necessária a norma escrita para validar e dar aplicabilidade aos diferentes atos e anseios sociais. Essas normas não são iguais, nem geram os mesmos efeitos, existindo uma hierarquia que impõe seus limites e que determina para que serve e o que faz cada uma delas. A norma maior é a Constituição Federal. Abaixo dela, seguem-se as leis, em suas diferentes modalidades. E, abaixo das leis, surgem os atos administrativos, também dentro de uma hierarquia que os insere no corpo jurídico nacional.

Princípio básico do sistema é que, se a norma hierarquicamente mais alta altera a norma mais baixa, a norma mais baixa não altera a norma mais alta, sendo, consequentemente, nulas as disposições que caminhem nesse sentido.

No Brasil, é comum as boas intenções servirem de base para se tentar cortar caminho, usando a norma inferior para alterar a norma superior ou, na maioria dos casos, se usar atos administrativos para alterar disposições contidas em lei, o que é absolutamente vedado pelo ordenamento jurídico nacional.

O setor de seguros não é exceção à regra e, mais de uma vez, em nome das boas intenções, se tentou cortar caminho, valendo-se de uma norma menor e mais simples para tentar alterar a norma maior.

Matéria que desperta discussão, especialmente porque poderia ser uma solução para os planos de saúde privados e para as operações de risco dos planos de previdência complementar, é a possibilidade da contratação de resseguros diretamente por eles.

Foi exatamente visando solucionar o problema que o CNSP (Conselho Nacional de Seguros Privados) baixou a Resolução CNSP380/2020. Através dela, o CNSP autorizou a contratação direta de resseguros pelos planos de saúde privados e pelas operadoras de planos de previdência complementar.

Se a ideia é louvável, a forma encontrada para sua efetivação encontra sólidas barreiras no arcabouço jurídico brasileiro. O assunto resseguro – e a sua operacionalização no país – é objeto de leis, algumas delas complementares, o que as coloca logo abaixo do texto constitucional, ou seja, não são alteráveis nem mesmo por lei ordinária que verse sobre a matéria. Como a capacidade normativa do CNSP é infralegal, a Resolução 380/2020 não tem o poder de modificá-las.

O assunto foi levado ao Supremo Tribunal Federal, através de uma ação que pede a decretação da inconstitucionalidade da Resolução CNSP380/2020. Agora, cabe a ele decidir o futuro da norma com base na lei e não em boas intenções.

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