Quem paga a conta?
Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo
por Antonio Penteado Mendonça
O incêndio, que durante dias consumiu o conteúdo dos tanques de um depósito de combustível em Santos, gerou prejuízos enormes, parte deles apenas indiretamente causados pelo fogo, mas nem por isso menos importantes.
Os prejuízos do incêndio em si são relativamente fáceis de serem quantificados. É saber a quantidade de combustível perdido e multiplicar pelo preço do produto. Para fechar a conta, basta verificar o valor dos tanques e instalações atingidos e acrescentar ao total. Com estes dados, a empresa responsável e sua seguradora podem assumir as perdas diretamente causadas pelo incêndio. Da mesma forma que podem calcular os valores de uma eventual indenização por lucros cessantes.
Onde a questão fica muito mais complicada é na aferição dos prejuízos indiretos ou decorrentes do incêndio. Durante dias os bombeiros lançaram bilhões de litros de água sobre as chamas. Neste período, um denso rolo de fumaça negra se espalhou pela cidade de Santos e seus entornos. O trânsito na cidade ficou prejudicado. O acesso ao porto ficou prejudicado. Mercadorias deixaram de circular. As estradas ficaram congestionadas. O comércio da região vendeu menos. Empresas não puderam funcionar. Caiu a arrecadação de impostos. Etc.
Como calcular estes prejuízos? Quais os critérios para isso? Como conseguir dimensionar corretamente as perdas e individualizá-las, para que cada um receba aquilo a que tem direito?
A partir de um momento, a possibilidade de danos ambientais passou a ocupar as manchetes. Sem dúvida, são possíveis, mas será que foram tão vultosos? É preciso se ter claro que a região atingida é altamente poluída pela existência e funcionamento do próprio porto. Assim, se falar em prejuízos imensos porque a água utilizada no combate ao fogo escorreu para o canal e para o manguezal em volta, levando com ela combustível, pode ser um pouco exagerado.
É evidente que houve dano ao ecossistema e peixes morreram. A questão é se eles foram grandes ao ponto de desequilibrar ainda mais uma região já fortemente afetada pelos estragos causados pela poluição urbana, industrial, do porto e dos milhares de navios que passam por ele, para não falar na frota pesqueira que tem como base a cidade de Santos. Será possível separar os prejuízos ambientais causados pelo incêndio dos prejuízos ambientais anteriores, causados pela existência de Santos e São Vicente, do maior porto da América do Sul, do polo industrial de Cubatão e do polo logístico do Guarujá? Dano ao meio ambiente não é apenas o fato em si, mas suas consequências. Um acidente destes que atinja o Lago Leman tem impacto muito mais grave do que na Baixada Santista.
Realmente graves são as perdas decorrentes dos atrasos e da não circulação de mercadorias. Na medida em que o acesso ao porto foi prejudicado pelo incêndio, milhões de reais em mercadorias deixaram de ser embarcados ou desembarcados, comprometendo o giro de centenas de empresas no Brasil e no exterior.
Os congestionamentos nas estradas afetaram caminhões, que não se dirigiam necessariamente ao porto, bem como passageiros que demandavam a baixada. Os engarrafamentos de trânsito prejudicaram a fluidez da vida empresarial. Com certeza negócios importantes deixaram de ser feitos porque alguém não conseguiu chegar em algum lugar por causa do incêndio.
Finalmente, o custo do combate a um incêndio desta natureza é alto. Centenas de pessoas e equipamentos sofisticados trabalhando dias a fio, na faina de minimizar os danos causados pelo fogo e impedir sua expansão para outras áreas em volta, custam caro para o Estado.
Quem paga esta conta? Ou melhor, antes disso, como quantificar os prejuízos? Será que uma seguradora teria capacidade para suportar esta ordem de perdas? Será que, ainda que sendo teoricamente possível, existe seguro para fazer frente a um evento desta magnitude? A resposta é não. E este não se aplica ao Brasil e a qualquer outro país. Alguns danos são grandes demais para poderem ser segurados.
Voltar à listagem