Quem morre com a conta?
Originalmente publicado no jornal Tribuna do direito
por Antonio Penteado Mendonça
De repente, sem nenhuma razão aparente, uma notícia dava conta que a Airbus, que nunca se manifestara até agora, acusava a Infraero, a TAM e os pilotos como responsáveis pelo acidente com o avião de sua fabricação em Congonhas. Logo em seguida veio a razão do comunicado: a seguradora da TAM informou que pretende se ressarcir dos mais de 500 milhões de reais indenizados, cobrando o valor da Airbus, por entender que é ela a responsável pelo acidente, em função de erros no projeto da aeronave.
Não é comum este tipo de ação chegar ao conhecimento do público, mas ela não é rara no setor de seguros. No caso de acidentes aéreos, a responsabilidade do operador da aeronave é direta e inquestionável. Assim, na medida em que os parentes e beneficiários das vítimas não têm nada com as questões envolvendo os diversos seguros que podem cobrir os danos do acidente, é o seguro da operadora do avião quem responde pelas indenizações.
É mais fácil e mais lógico acionar diretamente a companhia aérea do que correr o risco de acionar o fabricante do avião, ou de uma determinada parte, até porque pode acontecer deles serem inocentados de qualquer responsabilidade ao longo das investigações sobre o acidente.
Como a responsabilidade objetiva da companhia aérea é inquestionável, seja ela responsável pela queda ou não, acioná-la é a forma mais rápida de se chegar a uma solução quanto ao valor a ser indenizado. Não que uma indenização em dinheiro pela morte de um passageiro possa minorar o sofrimento de seus parentes, mas, se não faz isso, pelo menos, minimiza eventuais dificuldades que os parentes venham a passar, em função da trágica morte.
No caso do acidente com o Airbus da TAM, em 2007, não foi diferente. A seguradora da companhia aérea foi acionada e, para acidentes desta natureza, honrou rápida e corretamente a apólice contratada, pagando a grande maioria das indenizações em valores negociados com os beneficiários das vítimas.
Numa conta linear, que evidentemente não foi a fórmula realmente utilizada, vê-se que a morte de cada um dos 199 passageiros e tripulantes gerou uma indenização média de 2 milhões e meio de reais, o que não é pouco em termos de indenizações pagas no Brasil. Mas, tão importante quanto isso, a maioria delas foi paga administrativamente, evitando toda a demora de uma ação judicial.
É regra da atividade seguradora, inclusive com previsão no Código Civil Brasileiro, que, quando a seguradora paga uma indenização, ela se sub-roga nos direitos do segurado para cobrar do causador do dano os prejuízos suportados.
É o que a seguradora da TAM está fazendo. Ainda que indo na direção contrária de tudo o que foi dito e apurado sobre o acidente, inclusive a posição do Ministério Público no campo penal, a seguradora entrou com ação, pedindo uma perícia técnica e respostas para 107 quesitos a respeito da aeronave. A ideia da seguradora é mostrar que o acidente ocorreu por falhas no projeto do avião, que levaram ao trágico desfecho num final de tarde de 2007.
Já a Airbus, que conseguiu a suspensão do processo, em sintonia com o que tem sido dito até agora, afirma que o acidente aconteceu por culpa da TAM, da Infraero e dos pilotos.
O que está em jogo é quem vai morrer com a conta dos mais de 500 milhões de reais pagos a título de indenizações. Se prevalecer a tese da Airbus e do Ministério Público, a seguradora da TAM não terá o direito de se ressarcir integralmente dos prejuízos indenizados. Na medida em que pelo menos dois dos hipotéticos responsáveis são cobertos diretamente pela apólice, neste caso restaria a ela o direito de eventualmente cobrar da Infraero parte dos valores pagos.
Por outro lado, se a seguradora da TAM provar a falha de projeto no Airbus 320 e que esta foi a principal razão da queda da aeronave no aeroporto de Congonhas, ela terá o direito de cobrar o valor das indenizações da Airbus, que, evidentemente, acionará sua seguradora de responsabilidade civil para fazer frente ao pagamento.
Deste desenho restam claras duas afirmações: a primeira é que, aconteça o que acontecer, os beneficiários das vítimas do acidente não terão que devolver qualquer valor recebido a título de indenização; e, a segunda, é que, mesmo que a Airbus venha a ser responsabilizada, não será ela quem pagará a conta.
Uma companhia como ela tem seguro de responsabilidade civil com capital para fazer frente a um acidente deste porte.
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