Português X “Segurês”
Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça
Durante décadas, o setor de seguros brasileiro fez questão de usar uma língua especial, meio rococó, meio cabalística, com termos apavorantes e definições incríveis para tocar o negócio. São termos tão complicados que até gente que trabalha na atividade tem dificuldade para entender o que eles querem dizer, para não dizer que tem quem não sabe mesmo.
Quem sabe a palavra mais sinistra e que apavora quem precisa usar o seguro seja sinistro. Imagine, um sinistro se abateu sobre sua vida. Será que um vampiro mordeu o pescoço da minha filha? Um lobisomem estraçalhou minha sogra? A bruxa de Blair se instalou na minha casa? Sinistro é uma palavra sinistra. E que não tem a menor necessidade de ser usada.
Em “segurês”, sinistro é o evento que causa o prejuízo reclamado pelo segurado. Em inglês, língua falada pelo mundo e idioma universalmente aceito para os contratos de seguros, o termo é claim. Porque em português foram encontrar palavra tão medonha para definir algo tão simples não se sabe, mas aconteceu de ser assim e assim ficou.
Da mesma forma que, sem o seguro ser uma loteria, o “segurês” se vale da palavra prêmio para criar uma enorme confusão, com repercussões inclusive no Judiciário, onde é comum o juiz mandar a seguradora pagar o prêmio ao segurado.
Acontece que prêmio não é mais do que o preço do seguro. Então, quem paga o prêmio não é a seguradora, é o segurado. A seguradora paga a indenização, até porque seguro não é bingo e não tem prêmio para o vencedor, mas um pagamento específico, fruto de acontecer um determinado fato, de uma determinada forma. Em “segurês”, o sinistro, que de forma mais prosaica seria a reclamação, o evento, ou acidente que gera a indenização.
Mas para quem acha que isto já é muito, imagine uma cláusula que se chama cláusula de rateio e outra que se chama cláusula de rateio parcial, que o segurado contrata para minimizar os efeitos da cláusula de rateio no valor da indenização por causa da variação do valor atual e do valor de novo do bem segurado, afetado pela depreciação.
Pois é, num país onde mais de 70% da população é analfabeta funcional, onde os contratos são vistos como arapucas pela maioria das pessoas que não entende o que está contratando e com um Código de Defesa do Consumidor como o nosso, não tem como uma atividade girar com sucesso usando uma língua como o “segurês”.
O setor percebeu isso e atualmente há um movimento para simplificar, ou melhor, descomplicar os termos e definições utilizados pelas apólices e, assim, tornar mais compreensível um contrato que tem como principal objetivo proteger a sociedade, pagando ao segurado os prejuízos que ele tem em função de acontecer um determinado acidente que atinge a ele ou ao seu patrimônio e para o qual ele comprou uma proteção.
Não tem sentido, em nome de se utilizar uma linguagem estapafúrdia, criar barreiras para a penetração do seguro na sociedade. Com certeza, o setor está no caminho certo. A adoção de palavras comuns é a melhor forma de tornar o negócio compreensível.
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