Pau nas redes sociais
Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça
Na semana passada o mundo se viu às voltas com um problema que vai tomando proporções assustadoras, não apenas pelos prejuízos causados, mas pela impotência ante o fato consumado da dependência cada vez maior das pessoas em relação às redes sociais.
O apagão que atingiu três plataformas operadas pelo Facebook afetou direta e indiretamente bilhões de pessoas ao redor do planeta. Durante várias horas, as redes ficaram inoperantes e as pessoas não conseguiram se comunicar, ficaram sem entretenimento e, mais grave, deixaram de fazer negócios, dos mais simples aos mais complexos, todos dependentes do funcionamento do Facebook, Instagram e WhatsApp.
Apenas no Brasil, o WhatsApp tem cento e vinte milhões de usuários. No mundo, as três plataformas servem diariamente a bilhões de pessoas, que se valem delas para tudo e mais alguma coisa, criando uma dependência que o apagão mostrou ser mais forte do que anteriormente imaginada.
Só isto seria um problema sério, afinal, quanto mais dependente a pessoa for, mais fácil a sua submissão às ações desencadeadas pelo gestor do sistema, ou seja, maior o grau de aceitação das mensagens enviadas, diretamente ou de forma subliminar, através das redes sociais.
Mas há mais e este mais são os prejuízos concretos em função do apagão que, por mais ou menos seis horas, tirou as três plataformas do ar. Um hospital que faça seus pedidos aos fornecedores via WhatsApp, um supermercado que vende através de pedidos encaminhados pela rede social, um restaurante que faça entregas contatando os entregadores via o aplicativo, o entregador que deixou de ser contatado, todos foram diretamente atingidos pelo apagão, deixaram de operar normalmente, perderam pedidos, vendas e entregas.
Além deles, milhões de pessoas não puderam fazer seus pedidos, que variam de uma encomenda pouco importante a um medicamento que deve ser aplicado numa hora específica e que, por isso, deve ser entregue a tempo.
Não há como negar a ocorrência de prejuízos de todas as ordens, de perdas materiais a perdas corporais e danos morais. Eles são facilmente demonstráveis, inclusive nos casos de danos morais puros, aqueles que acontecem por um impacto moral diretamente causado na vítima em função de ação ou omissão do responsável pelo fato gerador.
Assim, além dos prejuízos causados pela perda de renda decorrente da impossibilidade de comunicação, que inviabilizou milhões de transações comerciais ao redor do globo, o prejuízo moral, em função de ansiedade, pânico e outros sintomas do gênero, é evidente, indiscutível e possível de ser quantificado.
O que vai acontecer, como vai acontecer e quando vai acontecer são respostas que ainda não sabemos. Mas é de se esperar que o Facebook endureça o quanto for possível para não pagar qualquer indenização. Também é razoável afirmar que terá gente demandando contra a empresa para tentar minimizar suas perdas.
Como o problema atingiu um número alto de nações e povos, com legislações completamente diferentes, é impossível, neste momento, imaginar qual será o resultado dessas ações. Certo é que, entre secos e molhados, haverá decisões a favor e contra. A questão é qual o valor delas e a capacidade de implementação das decisões tomadas pelos diferentes tribunais.
O caminho para minimizar as eventuais perdas sofridas pelo Facebook, decorrentes dos prejuízos causados pelo apagão nas redes, seria a existência de um seguro que o protegesse e fizesse frente aos danos causados a terceiros por um evento dessa natureza.
Mas aí surge uma questão técnica. Será que existe mútuo para fazer frente a uma situação como essa? Será que existe uma massa de segurados suficientemente grande para gerar os prêmios que seriam necessários para abastecer o mútuo e fazer frente às indenizações?
Um milhão de vítimas com prejuízo de mil dólares cada uma geraria um bilhão de dólares em indenizações. E o número de que estamos falando é muito maior. Será que algum “pool” de seguros e resseguros se atreveria a assumir o risco? Se sim, a que preço?
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