Os riscos da copa do mundo
Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo
por Antonio Penteado Mendonça
Falar que a Copa do Mundo é uma caixa de surpresas é chover no molhado. Ninguém sabe o que pode acontecer, nem como, nem por quê. As coisas serão, simplesmente. Prever que haverá quebra-quebras, tumultos, passeatas, greves é chutar, a mais absoluta futurologia.
Pode acontecer, como pode não acontecer. Seja lá o que for. As duas únicas coisas que parecem certas são a falta água na região sudeste e o racionamento de energia elétrica. Lamentavelmente estas duas quase certezas acontecerão exatamente na época da realização do Mundial de Futebol. Quais seus impactos é uma outra pergunta, que não guarda relação com os fatos, porque o Governo Federal não tem a menor vergonha em modificar o que necessitar ser modificado, desde que ganhe as eleições de outubro.
Entre as modificações não seria de estranhar deixar outras regiões sem energia elétrica, desde que as cidades sede da Copa fiquem iluminadas.
Não cabe aqui discutir os seguros da FIFA, da CBF ou dos operadores dos estádios. Estes já devem estar contratados e são seguros com certeza bastante abrangentes, nos moldes do que existe de mais moderno no mundo. A questão que se coloca é como ficam os demais mortais diante de um quadro tão incerto.
É evidente que os seguros patrimoniais contratados pela imensa maioria das médias e pequenas empresas brasileiras não têm as garantias necessárias para uma série de riscos concretos, decorrentes da ocorrência de uma das várias ameaças que pesam sobre a nação.
Começando pelos riscos de falta de água e falta de energia elétrica, o potencial de danos é enorme e tem imensa capilaridade. Os recentes apagões se encarregaram de mostrar o que acontece com milhares de empresários que dependem da energia elétrica para produzirem ou armazenarem seus produtos.
Imagine uma fábrica de sorvetes com racionamento de água e de energia elétrica. Primeiro, não é possível produzir a mercadoria e, depois, não é possível armazená-la.
A situação é dramática para hospitais, clínicas, laboratórios, dentistas, médicos e paramédicos em geral. Mas ela não é menos grave para padarias, açougues, bares, restaurantes, lanchonetes, floriculturas e quem mais mexa com produtos perecíveis.
As apólices de seguros vigentes dão garantia para uma série de riscos, mas dificilmente a maioria dos bares e restaurantes terá cobertura para descongelamento de produtos perecíveis.
Da mesma forma, se os grandes conglomerados financeiros conseguem garantia para tumultos e vidros, esta não é a realidade de milhares de pequenas empresas que também estão na rota de destruição dos atos de vandalismo praticados nas passeatas.
Na mesma linha de raciocínio, será que os ônibus destruídos em nome das mais variadas “lutas” estavam no seguro? Será que as seguradoras estão dispostas a dar esta cobertura para as empresas a partir de agora? Conhecendo o setor, diria que é pouco provável. Afinal, é raro o dia em que, em algum lugar do país, não se ateie fogo em pelo menos um ônibus.
Mas se estes são danos físicos que atingem diretamente o patrimônio das empresas, por isso são fáceis de serem percebidos, como ficam os danos muito mais sutis, decorrentes da interrupção da produção? Não os lucros cessantes, mas as despesas fixas, os aluguéis, folhas de pagamento, fornecedores e impostos?
Como fica a cadeia produtiva que, de repente, por um problema alheio à maioria dos seus integrantes, deixa de funcionar porque uma das engrenagens foi afetada por um dos riscos que podem acontecer durante a Copa do Mundo?
Na medida em que é certo que a maioria das empresas brasileiras não tem seguros sofisticados, e é certo que o governo não paga nem o que diz que vai pagar, que costuma ser muito menos do que o prejuízo real, também é certo que quem vai morrer com a conta não são apenas os empresários afetados, mas todos os envolvidos, começando pelos funcionários e acabando no governo, que não receberá os impostos. Nesta conta, perdem todos. E agora já é muito tarde para se tentar mudar a realidade.
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