O outro lado do carnaval
Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça
Carnaval é festa, desfile de escola de samba, megabloco, bloco, folia, música, trio elétrico, maracatu, abre-alas, frevo, samba, suor, cachaça, cerveja gelada, mulher quase pelada, pele com pele, beijo, um cantinho, um banco de praça, a areia da praia, o infinito num segundo de sonho, no fogo do corpo, no encontro das mãos estendidas.
É isso e é muito mais. Carnaval é a possibilidade de todas as possibilidades. O sonho vivido em poucos dias, na velocidade do som, no ritmo das músicas tocando altas, das cores rodopiando, do esquecimento do dia a dia duro do resto do ano.
Carnaval é o prelúdio da quaresma, o último instante de alegria antes dos quarenta dias que precederam a morte do Cristo. Por isso tem que ser comemorado, integralmente vivido, numa entrega sem medo do pulo no abismo. Carnaval é carnaval, nele a vida bate mais forte, o coração bate mais forte e a alma se abre para receber todas as energias boas que flutuam no ar.
Mas o carnaval tem seu lado negro. Não é segredo para ninguém, mas a forma como é mostrado faz com que não se ligue uma coisa à outra, como se fossem duas realidades concomitantes, mas independentes. Infelizmente, não são. Uma coisa é uma coisa e a outra coisa é a mesma coisa, só que mostradas de outro jeito.
Pode mais quem chora menos, ou quem tem mais sorte. Porque muito do lado negro do carnaval é questão de sorte, de estar no lugar errado, na hora errada. Na imensa maioria das vezes, ninguém faz alguma coisa pensando no resultado dramático, no dano que pode causar, no estrago na vida do próximo.
O lado negro do carnaval traz a morte, a invalidez, a tristeza e a dor. Joga na tela da televisão as lágrimas que escorrem dos olhos desesperados de pessoas atônitas, que no espaço de um segundo perdem filhos, mulher, marido, pai ou mãe. Que perde sem saber como o melhor amigo, a namorada, o companheiro de viagem, o confidente, o norte.
O lado negro do carnaval são os acidentes de todos os tipos que crescem de frequência e intensidade nos dias da festa. Os eventos que se sucedem de todas as formas, causando danos, diretos ou indiretos, corporais, materiais e morais, em milhares de pessoas afetadas por eles.
Centenas de vítimas morrem nas estradas. Nada mais lógico e mais perverso. Só da cidade de São Paulo saem mais de um milhão de carros, trafegando pelas mais variadas estradas, atrás dos mais diversos destinos. Acontece que, se o número de veículos voltou a subir, não temos novas estradas desde que a segunda pista da Rodovia dos Imigrantes ficou pronta. O máximo oferecido é a duplicação da Rodovia dos Tamoios, que não está pronta, nem resolverá os problemas de acesso ao litoral norte.
Num cenário onde há mais motoristas e menos estradas, a tendência do aumento de acidentes é óbvia, ainda mais quando parte dos motoristas não tem prática de dirigir em rodovias. E parte não se sente inibida de beber umas cervejinhas a mais.
As seguradoras sabem que no carnaval haverá um aumento dos sinistros e da utilização dos serviços 24 horas. Não há mistério, as estatísticas dão os números do lado negro do carnaval com bastante exatidão.
Mas não são apenas os acidentes de veículos que cobram seu preço. Afogamentos, acidentes com embarcações ou durante a prática de esportes radicais, brigas entre foliões, assaltos, balas perdidas, etc. também apresentam suas faturas, muitas vezes cobrando de quem não tem nada com isso uma conta bastante salgada.
As razões para isso se perdem no tempo, quando o carnaval invadiu as ruas europeias, muitos séculos atrás. A festa nunca foi pacata, nem inocente. O que mudou é que a vida moderna coloca na frente das pessoas situações e possibilidades muito mais apavorantes do que as do fim da idade média.
As possibilidades de tirar a vida ou causar dano ao próximo aumentaram muito, não apenas por causa das armas modernas, mas também porque o progresso criou instrumentos que, mal utilizados, são armas tão devastadoras quanto a metralhadora mais eficiente.
Pense nisso e se proteja.Não há razão para você engrossar a lista das vítimas.
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