O IPO não acontecerá agora
Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça
A melhor maneira de saber que a crise está dando sinais de aprofundamento é ler que um IPO foi cancelado. Ainda mais um IPO que deveria ser um sucesso. Ninguém em sã consciência toca em frente um projeto dessa natureza num momento em que as coisas vão mal, que o investidor está arisco e as notas das agências de rating pioram em sequência, como se vê atualmente no Brasil.
Nada que não fosse razoavelmente previsível desde 2014, quando a economia começou a entrar em parafuso, com a inflação subindo, os juros disparando, o Governo inventando mágicas e a sociedade começando a perceber que as coisas estavam muito piores do que se poderia imaginar.
Entre os planos do Governo, além da privatização de uma série de obras de infraestrutura, estava previsto o IPO, ou a abertura de capital, da Caixa Seguros e do IRB Brasil Resseguros, a melhor e mais eficiente resseguradora local em operação no Brasil.
Já faz alguns anos que o controle do IRB está dividido entre o Governo Federal, o Bradesco e o Itaú, com alguns outros acionistas menores fechando a conta. A ideia do Governo era repassar a sua participação para o Banco do Brasil, o que foi feito, e depois abrir o capital da empresa, operação vista com bons olhos pelos outros acionistas.
Dada a eficiência operacional do IRB, a abertura do seu capital era tida como barbada, com bilhões de reais entrando na operação, maximizando o valor e a capacidade de aceitar riscos do ressegurador, que, na outra ponta, continuaria com forte participação acionária dos maiores bancos do país, sem que isso fizesse diferença, porque, na prática, suas seguradoras estrategicamente se afastaram dos seguros de grandes riscos.
Houve um momento em que a composição do capital do IRB gerou preocupações que faziam sentido. Como o maior ressegurador do país poderia ser controlado pelas maiores seguradoras do país? Havia o risco real do IRB dificultar a operação das seguradoras menores, negando condições de resseguro competitivas justamente a quem mais necessita de sua capacidade.
Nada disso aconteceu. Não porque não pudesse acontecer, mas porque os seguros de grande risco, hoje, estão concentrados em seguradoras internacionais, pertencentes a grandes grupos com resseguradoras próprias; o país continua tendo dezenas de outras resseguradoras autorizadas a operar; e a rápida deterioração da economia criou um desenho inesperado, que apressou a modificação da realidade do mercado.
Até o final do ano, várias resseguradoras devem tirar o Brasil do foco. As grandes seguradoras ligadas a conglomerados financeiros estão focando no varejo e as seguradoras especializadas estão ocupando os espaços vagos. A economia em recessão não aponta para o crescimento dos prêmios de seguros. A deterioração do controle do Governo sobre a política gera incertezas que aprofundam antecipadamente a crise. As investigações criminais se aproximam cada vez mais do centro do poder. A Presidente não percebe que não entende de economia. O Ministro da Fazenda não inspira confiança. O Presidente do Banco Central entregou os pontos. Enfim, não há notícia boa num horizonte bastante longo.
Num cenário de terra arrasada, com a inflação em alta, o real desvalorizado em mais de 50%, a indústria amargando a pior década de sua história, o desemprego comendo solto, a violência quase que fora de controle, as epidemias de dengue e zika ameaçando a população, não há muito clima para se fazer um IPO, ainda mais de uma companhia que segue a reboque da economia, não tendo muito como interferir no cenário nacional.
Insistir na abertura do capital do IRB seria uma temeridade. Se houvesse alguma chance de sucesso, o valor conseguido com a operação estaria muito abaixo do valor real da companhia, pelo menos num momento mais normal.
A decisão de adiar a operação está absolutamente correta. Apenas, ela é desanimadora, principalmente porque mostra o que a incompetência, a falta de padrão moral e a bandalheira conseguem fazer em poucos anos.
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