O incêndio na Estação da Luz
Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça
Na tarde do dia 21 de dezembro passado, um dos edifícios mais famosos de São Paulo foi parcialmente destruído por um incêndio de grandes proporções. A principal vítima do incêndio no prédio da Estação da Luz foi o Museu da Língua Portuguesa, um marco na cidade e um dos cinco museus mais visitados todos os anos, que foi completamente destruído.
Graças à sua concepção, com o uso intensivo de mídias eletrônicas em vez de documentos físicos, o acervo do museu está preservado. Será necessário instalar novos projetores, computadores e outros equipamentos, bem como reconstruir as instalações atingidas pelo fogo, mas isso não é nada em comparação com os danos que poderiam advir de um incêndio que destruísse o acervo físico e a história da instituição.
Vale também ressaltar que o fogo causou severos danos a um dos edifícios icônicos da cidade. A Estação da Luz, inaugurada em 1900, é um dos símbolos do progresso gerado pelo café no estado de São Paulo. Com suas estruturas fabricadas na Inglaterra, ela foi cuidadosamente montada de acordo com o projeto original dos ingleses controladores da Ferrovia Santos-Jundiaí, a São Paulo Railway, proprietária da Estação.
Não foi o primeiro incêndio que atingiu o prédio. Em 1946, ele foi vítima de outro sinistro de grandes proporções, segundo algumas versões, de origem criminosa, exatamente na mesma área agora destruída pelas chamas.
De acordo com as autoridades, o edifício não tinha os alvarás e as licenças de funcionamento, o que pode levar à conclusão precipitada de que era um risco em permanente ebulição, o que não é inteiramente verdade. Tanto que, para efeitos de seguro, estes documentos podem ser desconsiderados pela seguradora, caso uma vistoria ou outras provas atestem que as condições de segurança são satisfatórias.
Não vem ao caso, aqui, se o prédio da Estação e a área utilizada pelo Museu estavam segurados e se os seguros contratados eram suficientes para fazer frente aos prejuízos de um sinistro de grandes proporções. A questão é outra.
O que importa é salientar, em primeiro lugar, o cuidado insuficiente com edifícios públicos importantes. Não faz tanto tempo, o auditório do Memorial da América Latina também foi devorado pelas chamas. Por mera sorte, o fogo, nas duas ocasiões, começou quando os prédios estavam praticamente vazios.
Em segundo lugar, vale ressaltar que a ausência de seguros apropriados para boa parte do patrimônio público brasileiro é uma insensatez sem tamanho. Ainda que não sendo possível a recuperação de eventuais obras de arte de grande valor, como quadros, estátuas, tapeçarias, mobiliário e outros objetos, o seguro reconstrói as instalações, seja com o desenho original do edifício, seja com outro projeto mais adequado. Além disso, o seguro de responsabilidade civil faz frente às indenizações dos danos causados a terceiros, que, num evento desta natureza, podem ser bastante significativos, principalmente no que se refere e mortos e feridos.
De outro lado, é importante se ter claro que as seguradoras, em princípio, não podem se valer da ausência de alvarás e licenças para não pagar as indenizações. Quando um risco é oferecido para uma companhia de seguros, a proposta é feita de acordo com instruções dela. Se o segurado não entrega os alvarás e as licenças e a seguradora não os solicita e mesmo assim aceita o risco, ela está aceitando o seguro no estado em que lhe foi oferecido e dando cobertura para ele, ou seja, sua negligência não pode servir de mecanismo de proteção para ela negar a indenização no caso da ocorrência de um sinistro, até porque ela recebeu o pagamento para isso, de acordo com sua precificação.
Finalmente, cumpre externar nossa imensa tristeza pela ocorrência de mais um incêndio de grandes proporções que poderia ter consequências trágicas até maiores do que o fogo na Boate Kiss, em Santa Maria. E que, independentemente de qualquer outra consideração, destruiu um dos patrimônios culturais da cidade de São Paulo.
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