O Boeing da Malásia e o seguro
Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo
por Antonio Penteado Mendonça
De acordo com informações da imprensa internacional, o governo da Malásia emitirá certificados de óbito para os passageiros do avião que desapareceu em pleno voo mais de um mês atrás.
É a chamada morte presumida, na qual, apesar de não haver o cadáver, um ato da autoridade competente reconhece a morte do indivíduo, gerando as consequências jurídicas indispensáveis para uma série de procedimentos em relação ao morto, à família, herdeiros e beneficiários. No Brasil o caso mais conhecido foi a declaração da morte presumida do Deputado Ulisses Guimarães, falecido num acidente de helicóptero, cujo corpo jamais foi encontrado.
A emissão destes certificados é fundamental para uma série de atos jurídicos, entre eles o pagamento das indenizações dos seguros de vida e acidentes pessoais. Quando uma pessoa desaparece, a lei, que pode variar de país para país, determina um prazo antes do qual ela não é considerada morta, o que impede a abertura de inventário e todos os demais atos jurídicos para os quais a presença do desaparecido seria necessária. É um enorme transtorno para a família, já abalada pelo desaparecimento da pessoa, mas fundamental para a preservação de direitos e deveres inerentes à vida e ao patrimônio do desaparecido.
Se, de um lado, o desaparecimento do jato da companhia aérea da Malásia tem o viés positivo de mostrar que na prática o que se vê nos filmes norte-americanos não é bem verdade e que as agências de vigilância e espionagem como NSA, CIA e outras são menos competentes do que parecem, de outro, cria uma série de situações com desdobramentos jurídicos que podem atingir mais de um bilhão de dólares.
Com os certificados de óbito as famílias e beneficiários dos passageiros que tinham seguros de vida e acidentes pessoais podem dar entrada no pedido de indenização, o que, num momento destes, é sempre uma ajuda importante, a começar pela possibilidade de pagar as despesas normais da vida de cada um.
Mas há outras questões que o reconhecimento da morte dos passageiros não resolve. A primeira delas é: o que aconteceu? A segunda, onde está o avião? E a terceira, por quê?
Começando pelo começo, quem garante que este avião caiu? Aprofundando a pergunta, qual a lógica das buscas se concentrarem no sul do Oceano Índico se o voo tinha como destino a China, ou seja, justamente a direção oposta?
Como, com os meios de vigilância e identificação à disposição do ser humano, até agora não foram encontrados quaisquer sinais da aeronave ou de que ela tenha caído?
E se ela não caiu? Se ela foi sequestrada e já esta voando em rotas pouco vigiadas, com outras cores e identificação falsa? Ou se está escondida numa quebrada do mundo, depois de pousar numa pista clandestina, protegida por floresta ou deserto, fora das rotas dos satélites de observação?
Se ela caiu, caiu por quê? Falha mecânica, falha humana, falta de manutenção, falta de combustível? As respostas para cada uma destas causas gerariam consequências completamente diversas, que atingiriam agentes diferentes, com impactos maiores ou menores nas apólices de seguros envolvidas.
A apólice do avião provavelmente não teria como deixar de indenizar. Seja por queda ou por sequestro, é de se imaginar que tenha cobertura para a perda total da aeronave.
Mas será que essa regra se aplica à garantia de responsabilidade civil? Será que uma seguradora está obrigada a pagar os danos de algo que não se sabe o que é? Quem garante que os passageiros morreram? Quem garante que a culpa da morte foi por acidente causado por responsabilidade da companhia aérea e não por falha mecânica do avião ou seus equipamentos?
Se houve um acidente, quem pode montar a cadeia de responsabilidades envolvidas? Se houve um sequestro, quem responde pelos prejuízos decorrentes dele?
O fato concreto é que o avião sumiu. Da versão da abdução por extraterrestres à queda no Oceano Índico, tudo é possível. O problema é que essas possibilidades podem custar muito dinheiro e ninguém gosta de pagar sem ter certeza que deve.
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