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Crônicas & Artigos

em 25/11/13

Expectativa e frustração

Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo
por Antonio Penteado Mendonça

O contrato de seguro é um documento complexo, com terminologia atípica e regras especiais, a primeira das quais é a boa fé dos contratantes. A sua utilização é sempre delicada. Ninguém usa seguro porque quer. O seguro é um mecanismo de proteção social, que visa a reposição do patrimônio do segurado no estado em que se encontrava no instante anterior ao sinistro ou ao evento que causou o prejuízo.

A utilização do seguro pelo segurado se dá sempre num momento de estresse, causado pela ocorrência do evento que gerou a perda. Como não poderia deixar de ser, estes eventos são sempre momentos de tensão. Assim, é fundamental para uma seguradora ter claro que a negociação com o segurado se dará sob tensão, não por culpa dela, mas por culpa do evento e de seu impacto no patrimônio ou na vida do segurado e de seus beneficiários.

A seguradora não é uma instituição de caridade. A imensa maioria delas é composta por sociedades anônimas, constituídas com o fim de remunerar o capital de seus acionistas. As outras são mútuas ou cooperativas, que também precisam ganhar dinheiro para custear suas operações e reduzir ao máximo o preço cobrado de seus segurados. Ou seja, é função precípua de toda seguradora ganhar dinheiro, dar lucro.

O negócio do seguro envolve algumas premissas exclusivas para a atividade, sem as quais ele não se sustenta. A primeira é que grande parte do dinheiro movimentado pela seguradora não pertence a ela, mas aos seus segurados. A segunda é que todo segurado, ao pagar o prêmio do seu seguro, está pagando parte das indenizações devidas aos segurados que sofreram sinistros cobertos.

A razão disso se chama mutualismo. O mútuo é um fundo composto por todos os segurados, de forma proporcional ao risco de cada um. O preço do seguro é calculado levando em conta o risco a ser segurado, valor, possiblidade da ocorrência do sinistro, medidas de proteção, localização, etc. Usando estas informações, tábuas estatísticas e equações matemáticas, a seguradora chega ao preço.

É bom se ter claro que o mútuo não pertence à seguradora. Ele pertence aos segurados. É dele que a seguradora saca o dinheiro necessário para pagar as indenizações, as despesas e os impostos. No final do exercício, a companhia faz seu balanço. A sobra do mútuo é seu lucro. É só neste momento que a seguradora se apropria do dinheiro.

Para proteger o mútuo e garantir seu lucro, a seguradora deve atuar sempre com todo o cuidado. Verificar os sinistros, se estão cobertos, se não há causa de exclusão de cobertura, se as informações e os valores são condizentes com os danos, etc.

É o chamado processo de regulação do sinistro, sem dúvida o momento mais delicado em toda a relação entre o segurado e a seguradora. E é aí que surge o mal entendido. As razões para ele são as mais diversas, mas todas decorrem do fato do segurado já estar fragilizado pela ocorrência do evento a ser indenizado.

Com a sensibilidade aguçada e a expectativa da conclusão da seguradora podendo demorar mais do que o esperado, o segurado fica vulnerável a reações inesperadas, algumas mais, outras menos violentas.

Depois da ocorrência do sinistro, a esperança do segurado é ter as perdas minimizadas pelo recebimento da indenização do seguro. Imagine o impacto de uma negativa nesta hora. Mesmo ela se baseando em fatos e em condições contratuais, que dão razão para a seguradora, o segurado tem sempre a esperança de receber. Ouvir o não, ainda que sendo a resposta correta, é decepcionante, para não dizer frustrante.

Imagine quando o não está errado e o sinistro tem cobertura. A decepção se transforma em revolta e faz o segurado descarregar toda sua frustração na seguradora. Afinal, o não fere o seu direito e violenta sua certeza de que a contratação do seguro era o melhor caminho para sua proteção.

Nenhum momento é mais delicado do que a regulação do sinistro, daí ser fundamental a seguradora ter gente preparada e tomar todos os cuidados para ser transparente. É sua melhor arma, até para dizer não.

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