Considerações sobre o DPVAT
Originalmente publicado no jornal SindSeg SP.
por Antonio Penteado Mendonça
Navegando pelo Facebook encontrei uma postagem de uma amiga com os maiores elogios ao DPVAT. Pessoa de posses, esclarecida, viajada, com condições de ter plano de saúde privado, ela fez os mais rasgados elogios ao seguro obrigatório, coisas do tipo ”até que enfim alguma coisa que funciona bem no Brasil”.
Na hora, fiquei contente porque alguém de fora do mercado, uma consumidora comum, sem maiores afinidades com o setor reconhecia o óbvio, que no Brasil não é tão óbvio assim. Poucas pessoas se dão conta de que perto de 60 mil indenizações por morte no trânsito são pagas anualmente pelo DPVAT. E a percepção é ainda menor quando falamos dos 600 mil inválidos que todos os anos também recebem indenização em função do acidente de trânsito que o vitimou.
Ora, um seguro que paga sem discutir a imensa maioria das mais de 650 mil indenizações por morte e danos corporais permanentes que são geradas pelos acidentes de trânsito todos os anos é um instituto que funciona, que cumpre suas obrigações que, aliás, se estendem para outras centenas de milhares de indenizações pagas a título de despesas médico-hospitalares.
No passado, antes da constituição da Seguradora Líder do Seguro DPVAT, eu fui um crítico ferrenho do seguro. Havia muitas brechas, pouca transparência e ninguém sabia exatamente o que acontecia, o que me levou a mais de uma vez criticar pesadamente o seguro e a forma como era administrado.
Com a criação da Seguradora Líder essa situação mudou radicalmente e o DPVAT passou a ser, efetivamente, um seguro com finalidade social, atendendo direta e indiretamente mais de um milhão de brasileiros vítimas dos acidentes que enlutam o Brasil, nos colocando em patamares tão horripilantes quanto os mortos e mutilados na guerra civil da Síria.
A verdade é que com tudo o que se disse e o pouco que se provou contra o seguro obrigatório, ele funciona e atende bem, principalmente as camadas mais pobres da população brasileira.
A grande acusação feita contra o seguro é que ele tem capitais segurados muito baixos. Eu discordo um pouco dessa afirmação. Se tomarmos como base o salário mínimo e os capitais segurados médios das apólices de seguros de vida oferecidos pelas empresas para seus colaboradores, veremos que há uma proporção muito parecida, já que o DPVAT oferece capital na casa dos 12 salários mínimos e as empresas costumam oferecer 12 salários como capital segurado para seus funcionários.
Mas, aceitando a afirmação de que o capital do DPVAT é baixo, qual o sentido do Governo ter determinado uma redução de mais de 35% do preço do seguro para o ano de 2017? Falar em demagogia para agradar os proprietários de veículo é sem sentido. Afinal, a economia para eles não chegou a 40 reais por ano.
Será que não teria sido muito mais sensato dobrar o capital segurado, que efetivamente não é reajustado faz tempo, mantendo o preço do seguro? O resultado teria sido muito mais eficiente. Mais de um milhão de brasileiros continuariam sendo vítimas dos acidentes de trânsito, mas receberiam uma indenização bem maior.
Mas, para o Governo, que nunca se preocupou seriamente com os acidentes de trânsito, tanto que nunca houve ao menos uma campanha séria para reduzi-los e muito menos ações concretas neste sentido, o prejuízo foi ainda maior. Se os proprietários de veículos estão pagando um pouco menos por ano e as vítimas continuam recebendo as mesmas indenizações, o Governo perdeu mais de um bilhão e meio de reais que eram destinados à saúde pública.
A grande questão é essa: será que ninguém fez conta, antes de mexer no preço do seguro? Será que os técnicos que decidiram pela mudança têm alguma noção do que reza a Constituição e do que é bem estar social? Será que eles sabem que o SUS não tem dinheiro para custear o minimamente exigível em termos de saúde pública? Será que eles sabem o que é um bilhão e meio de reais a menos numa conta que não fecha?
Só nos resta ver o resultado. Da burocracia pública nacional é possível se esperar tudo, até alguns poucos momentos de bom senso. Quem sabe alguém repensa o que foi feito…
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