Acidente aéreo e indenização
Originalmente publicado no jornal Tribuna do Direito.
por Antonio Penteado Mendonça
O acidente aéreo em que perderam a vida os jogadores do Chapecoense, jornalistas e tripulantes levanta uma questão que remonta aos primórdios do seguro de responsabilidade civil, quando se discutia se era possível ou não contratar um seguro para fazer frente a um dano causado a terceiro. De um lado, os que defendiam que não seria ético permitir que o causador do dano se livrasse da obrigação de indenizar. E, de outro, os que argumentavam que o seguro iria justamente proteger a vítima, já que a indenização paga pelo seguro seria a garantia de que o dano seria minimizado, independentemente do causador dele ter ou não condições de ressarcir os prejuízos decorrentes de seu ato.
Hoje, esta discussão está ultrapassada e os seguros de responsabilidade civil desempenham importante papel de pacificação social, na medida em que respondem por indenizações de danos causados a terceiros, desde poucos reais, numa colisão de veículos, até bilhões de dólares, num vazamento de petróleo.
No Brasil, o seguro aeronáutico tem duas garantias distintas, uma obrigatória e uma facultativa. A contratação pode se dar através de uma única apólice, com cobertura para os danos patrimoniais sofridos pela própria aeronave e as garantias obrigatória e facultativa para danos a terceiros.
A garantia obrigatória tem um capital relativamente baixo. A garantia facultativa tem capital livre, cabendo ao segurado determinar quanto deseja contratar para indenizar as vítimas de eventual acidente envolvendo a aeronave.
A justificativa para o capital baixo da garantia obrigatória era a Convenção de Varsóvia, que regulava a matéria e determinava uma indenização máxima por vítima limitada a alguns milhares de dólares.
Com o avanço da judicialização dos acidentes aeronáuticos, os capitais determinados pela Convenção de Varsóvia foram rapidamente ultrapassados, até porque não faziam qualquer sentido, e os responsáveis passaram a responder por valores muito mais elevados, calculados individualmente, levando em conta a situação socioeconômica das vítimas.
Neste cenário, muito mais justo, as empresas aéreas foram obrigadas a contratar seguros com capitais realisticamente calculados, levando em conta os danos possíveis de acontecerem, em função dos aviões da frota, capacidade de transporte e perfil dos passageiros.
Acontece que, se há a possibilidade da contração de um seguro facultativo, ela não é obrigatória. A obrigação do transportador aéreo é a contratação do seguro obrigatório, no Brasil conhecido como RETA. E os capitais nesta modalidade de garantia são muito inferiores às necessidades de indenização em caso de acidente.
O acidente envolvendo o avião que transportava o time da Chapecoense deve ser emblemático. A companhia aérea responsável pelo voo é uma empresa venezuelana, com subsidiária na Bolívia, que nunca conseguiu se consolidar como companhia aérea de linhas regulares e que tem como um dos acionistas um personagem com uma história estranha. O outro acionista era o piloto, que perdeu a vida na queda do avião. A especialidade da empresa eram voos fretados, especialmente por times de futebol, entre eles, a seleção argentina.
O fato de transportar a seleção argentina, com algumas das grandes estelas do futebol mundial entre seus jogadores, deveria ser motivo para o seguro da empresa ter capital na casa do bilhão de dólares, já que este seria um número não muito distante do total das perdas geradas por um acidente em que a maioria dos jogadores perdesse a vida.
Mas não é isso o que se espera. Pelo que se viu, em função dos dados apurados até agora, onde a queda em função da falta de combustível é a principal hipótese para o acidente, dificilmente o seguro será suficiente para pagar as indenizações decorrentes das mortes dos passageiros e tripulantes.
Sem o seguro, é quase impossível os beneficiários das indenizações receberem alguma coisa próxima dos valores a que efetivamente teriam direito, ainda mais de uma companhia que tinha na aeronave acidentada seu principal ativo e cujo acionista morreu no acidente.
Os beneficiários só têm com certeza o seguro de acidente do trabalho. Além disso, fica a questão da responsabilidade pela contratação do avião. Será que foram adotadas as cautelas necessárias ou a questão se resumiu a preço e pressão dos cartolas?
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