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Crônicas & Artigos

em 04/05/20

A hora da onça beber água

Originalmente publicado no jornal SindSeg SP.
por Antonio Penteado Mendonça

De acordo com análises internacionais, o Brasil é o país que, no momento, apresenta o quadro mais sério e corre os maiores riscos de uma explosão descontrolada do coronavírus sobrecarregar exponencialmente a rede de saúde nacional.

Que a rede brasileira é insuficiente nunca foi segredo para ninguém, por isso os governadores tomaram e ainda tomam uma série de medidas destinadas a abrandar a curva da evolução do vírus para tentar reduzir a velocidade da propagação da doença.

Mas para que isso aconteça é indispensável a colaboração da população. Não sei até que ponto a posição
irresponsável do Presidente da República tem influência sobre os números, mas a verdade é que menos de 50% dos brasileiros está levando o isolamento social a sério.

Para que o isolamento surta efeito e diminua a velocidade da curva da propagação do coronavírus é necessária adesão de pelo menos 70% da população. Com os 48% registrados nos últimos dias a velocidade vai explodir e as cenas vistas em Manaus vão se espalhar pelas mais diversas cidades do Brasil, ameaçando nos colocar em patamares semelhantes aos norte-americanos, em número de mortos proporcionalmente ao tamanho da população.

Para dar uma ideia da velocidade da pandemia, em março, a Santa Casa de São Paulo atendeu 404 pessoas com suspeita de coronavírus; em abril, o número de suspeitos atendidos chegou a 1800 e continua subindo. Além disso, nos dois meses analisados, faleceram 82 pessoas apenas no Hospital Central.

Os números do coronavírus aparecem duas semanas depois do fato. Assim, as pessoas saírem para as ruas agora vai impactar negativamente a evolução da doença daqui a duas semanas. Da mesma forma que o aumento do isolamento social também terá impacto positivo depois de duas semanas.

Como as pessoas já estão nas ruas há algum tempo, da próxima semana em diante todos os números referentes à pandemia deverão ser piores. E a tendência é que prossigam assim por todo o mês de maio e pelo menos por boa parte de junho.

Nos próximos sessenta dias o Brasil tem tudo para se transformar num campeão de mortes pela covid19, deixando inclusive Itália e Espanha para trás. Enquanto o mundo fala em isolamento, aqui o Presidente da República dá o exemplo contrário e vai para as ruas sem máscara de proteção e sem tomar qualquer cuidado com o distanciamento pessoal, para cumprimentar meia dúzia de eleitores sem noção, que, sabe Deus porquê, acham que o Brasil é diferente e que o vírus é nosso amigo.

Tanto faz as imagens dramáticas mostradas pela televisão, é como se elas acontecessem em outro país e que aqui fosse festa. Os mortos no chão dos hospitais, os enterros coletivos e outras cenas tristes da realidade de Manaus não comovem as pessoas. É como se com elas não pudesse acontecer nada. Enquanto isso, as periferias bombam com bailes funks, comércio aberto, gente nas ruas e nos botequins, batendo papo e bebendo cerveja como se fosse dia de final de copa do mundo.

Como os hospitais públicos estão sobrecarregados, as autoridades começam a requisitar vagas na rede particular. Com o aumento da pandemia, os titulares de planos de saúde privados voltarão a ser atingidos e o número de infectados vai subir. É aí que mora o problema. Com a rede privada obrigada a ceder leitos para os pacientes do SUS, com plano de saúde privado ou sem plano de saúde privado, as pessoas terão dificuldades para conseguir vagas na rede hospitalar brasileira e as mortes em casa começarão a ser rotina.

Nesta conta perdem todos: o SUS, os planos de saúde privados, mas principalmente a população brasileira, que contará seus mortos aos milhares.

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