28 mil assasinatos
Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça
É apavorante, mas o Brasil fecha o primeiro semestre com 28 mil assassinatos. A se manter as expectativas dos especialistas, o país acaba o ano com 60 mil homicídios, número para ninguém colocar defeito, mais ou menos 10 mil mortos a mais do que no ano passado.
O dado interessante é que Pernambuco contribuiu para quase metade do aumento em relação a 2016. E a razão principal é o crescimento acelerado do crime organizado em toda a região Nordeste.
Mas não é só o Nordeste que enfrenta a crise decorrente da incapacidade do Estado brasileiro suprir minimamente as necessidades da população. A saúde pública é uma vergonha de norte a sul do país. Raro o dia em que os noticiários das TV’s não mostrem o estado lastimável de alguma unidade de saúde em todos os Estados da Federação, do mais pobre ao mais rico.
Para quem imagina que o quadro mais degradado é o de São Paulo, aqui as coisas ainda funcionam de forma organizada e a população tem um mínimo de atendimento eficiente, que dá conta das necessidades mais urgentes, ainda que em situação muito pior do que há alguns anos.
No resto do país, a saúde pública naufragou. O descontrole é geral. Hospitais prontos e equipados estão fechados. Não tem funcionários. A politicagem gasta sem qualquer planejamento. Não há política de atendimento às comunidades mais carentes, o Estado é omisso nas periferias e o crime ocupa o espaço deixado vazio.
A escola pública está completamente sucateada. A droga corre solta, alunos desafiam professores e diretores, chegam mesmo a agredi-los e ameaçá-los, sem que ninguém faça nada para mudar o quadro.
O trânsito mata outros 60 mil brasileiros por ano. E, de quebra, deixa mais 600 mil inválidos, onerando as famílias seriamente afetadas pela crise e a previdência social, que, se não for reformada, quebra o país.
Em bom português, a ordem de grandeza das mortes violentas no Brasil é equiparável ao que acontece nos países em guerra, como a Síria e o Afeganistão. Nenhum país civilizado tem alguma coisa próxima de 1/10 dos números nacionais.
Entrar no Rio de Janeiro pela Avenida Brasil é uma verdadeira roleta russa.
As chances de arrastões e assaltos são altas. Seguir as informações dos aplicativos de trânsito pode acabar com um tiro na cabeça, porque o cidadão desavisado entra numa comunidade dominada por bandidos, que atiram primeiro e perguntam depois.
A impunidade vem da certeza de que o crime compensa. Menos de 15% dos processos envolvendo homicídios são julgados, anualmente. Mais apavorante, o número de assassinatos investigados é muito baixo e mais baixo ainda o dos casos que evoluem até se transformar em processo. Como se não bastasse, a Justiça premia os criminosos, com a revisão e atenuação das sentenças, progressão de penas, prisões domiciliares, além dos exemplos que vêm de cima, envolvendo criminosos confessos que não são presos porque são amigos ou fazem acordos com alguém que manda.
Grande parte dos crimes de menor gravidade não são inseridos nas estatísticas porque o cidadão tem mais o que fazer do que perder tempo e ser maltratado numa delegacia, para depois ver o seu processo não dar em nada. Para quê fazer o Boletim de Ocorrência, se não vai resolver?
O resultado da descrença generalizada nas instituições; da omissão do Estado, em todos os seus níveis; da corrupção e da bandalheira dos políticos; da ineficiência do Judiciário; do despreparo e sucateamento da dignidade do policial só poderia resultar no número do começo do artigo.
Não tem como a violência não crescer. Não tem como a vida humana valer alguma coisa. Não tem como querer que cumpram a lei ou respeitem as regras mínimas de convivência em sociedade. Que não furem fila de cinema. Que não usem a pista da esquerda para virar à direita. Que não emprestem a carteirinha do plano de saúde para o amigo ir ao médico. Que respeitem as vagas de deficientes e idosos. Que deem lugar para as grávidas nos ônibus e metrôs.
O que isso tem a ver com seguro? Tudo. Todos os pontos levantados aumentam a sinistralidade e encarecem as apólices.
Voltar à listagem