Os sabiás da madrugada
A única certeza é que não foram as azaleias que os convidaram. Não, elas floriram antes, bem antes, dos primeiros sabiás começarem a piação de madrugada.
Tem quem diga que há uma parceria muito antiga entre os sabiás e os ipês amarelos. Verdade ou não, o fato é que eles iniciam a cantoria de acasalamento justamente quando os primeiros ipês amarelos começam a florir.
Empírico e científico, o dado é incontestável. Quem se der ao luxo de acordar de madrugada, vai ouvir o canto dos sabiás desafiando a noite ainda fechada.
E quem acordar cedo e sair de casa com tempo para prestar atenção em volta verá que os primeiros ipês amarelos começam a se cobrir de flores. O movimento ainda é discreto, mas cresce dia a dia, e as árvores ficam mais bonitas, criando uma coreografia que, para mim, tem muito de nostálgica: é como se os ipês amarelos quisessem resgatar o tempo das bandeiras e da procura pelo ouro que tirou metade do território brasileiro da bruma da lenda dos Eldorados e das mãos dos espanhóis.
Os ipês florescem e os sabiás cantam de madrugada. Nada como a certeza da natureza para compensar a falta de certeza no futuro do Brasil.
Pode quem pode, o resto é bobagem. Os sabiás estão podendo, mas também não é bem assim. Por isso, a cantoria começa cada vez mais cedo. Os sabiás acreditam que Deus ajuda quem cedo madruga.
O negócio é conseguir fêmeas para acasalar. É o nosso “crescei e multiplicai-vos” aplicado ao mundo das aves. A piação de madrugada não é jogo de cena. É briga de cachorro grande. Está em risco a continuação da espécie, a transmissão do sangue. Nessa hora, tanto faz se tem ipê ou não, os sabiás querem acasalar, porque é bom e garante a descendência.
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