Uma questão interessante
Originalmente publicado no jornal Tribuna do direito
por Antonio Penteado Mendonça
O recente acidente com um trem em Nova Iorque traz algumas constatações interessantes.
A primeira é que acidentes acontecem, até em lugares onde a preocupação com segurança é parte da rotina da vida. Mais que isso, acidentes acontecem por falha humana, o que nos iguala a todos, independentemente do país de origem. Como o ser humano é imperfeito, ele insiste em agravar os riscos que o cercam com uma série de ações ilógicas que pioram o cenário natural, aumentando em muito as chances de acontecer acidentes capazes de causar danos de monta.
Já está provado que o trem estava em excesso de velocidade. Não alguns poucos quilômetros a mais que o máximo permitido, mas mais do que o dobro da velocidade para o local. Neste cenário, a tese de que foi uma fatalidade não se sustenta. O maquinista ou o encarregado pela condução do trem sabia que estava muito acima da velocidade permitida e por isso assumiu o risco de causar o acidente.
Aqui surge uma questão interessante para o direito do seguro. Existem dois seguros que indenizam os danos decorrentes do acidente. O primeiro é o seguro do próprio trem e o segundo é oseguro de responsabilidade civil que indeniza as vítimas ou seus beneficiários.
As apólices de seguro costumam ter cláusula na qual a seguradora fica exonerada do pagamento da indenização nos casos em que o segurado ou seu preposto deliberadamente agrava o risco. Excesso de velocidade, dentro de uma margem razoável, digamos até 20% a mais, não seria considerado agravamento do risco, mas quando a velocidade é mais do que o dobro da velocidade permitida, não há como não configurar esta situação. Ninguém pode invocar uma mera desatenção como causa da velocidade de um trem ultrapassar os cem quilômetros por hora num trecho em que a velocidade máxima permitida é de menos de cinquenta quilômetros por hora.
Com base na interpretação da lei, o caso configuraria culpa grave, com a decorrente responsabilidade do encarregado da velocidade do trem pelos resultados danosos. Seria o mesmo caso de um motorista de caminhão que numa estrada de pista única ultrapassa outro veículo em local com faixa dupla constante, ou seja, onde a ultrapassagem é proibida.
Da mesma forma que a seguradora pode negar a indenização no caso do caminhão causar um acidente, no caso do trem acidentado a cobertura do seguro pode ser questionada.
Deixando a indenização do próprio trem de lado, já que no caso a negativa pela seguradora é mais simples, na medida em que apenas a empresa responsável pelo trem e pelo seu condutor não receberia a indenização, cumpre analisar a questão que se apresenta tendo por fundo o seguro de responsabilidade civil.
Sem levar em conta outro fator que não o risco agravado pelo desmedido excesso de velocidade, as apólices de responsabilidade civil permitiriam a seguradora invocar a perda de direito à indenização. Mas há outros fatores que afetam a relação jurídica existente. O primeiro é se a lei trata a responsabilidade do transportador de passageiros ferroviários como objetiva ou como subjetiva. Se a responsabilidade for objetiva, a culpa deixa de ser importante para determinar ou não a responsabilidade de indenizar. O simples fato do passageiro estar no trem gera a obrigação da empresa responsável por sua operação indenizar e de sua seguradora acompanha-la, nos limites da apólice.
Se a culpa for elemento preponderante, também há a obrigação da empresa responsável indenizar, todavia, como houve o agravamento do risco, pode não haver a mesma obrigação em relação à seguradora.
Ainda há que se considerar se o seguro é obrigatório ou facultativo. Os seguros obrigatórios de responsabilidade civil visam justamente proteger as eventuais vítimas de forma ampla. Ainda que a matéria seja tratada sob a ótica da responsabilidade subjetiva, o que poderia evitar a responsabilização da seguradora, como se trata de seguro com finalidade social, destinado a proteger os passageiros de eventuais perdas em função da utilização do trem, a apólice, por ser de contratação obrigatória, poderia ter que pagar, em virtude de lei expressa ou por decisão judicial.
Cada caso é um caso e cada juiz tem uma visão. Mas não há dúvida que um acidente desta natureza pode servir de ponto de partida para uma reflexão a respeito dos tipos de seguros e suas diferentes finalidades.
Voltar à listagem