Um seguro pouco conhecido
Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça
Introduzido faz poucos anos no mercado brasileiro, o seguro de D&O (responsabilidade civil de gestores e administradores de empresas) é pouco conhecido pelo público em geral.
Nada de novo debaixo do céu. Quem não opera com ele ou não depende de suas garantias para se sentir tranquilo, realmente não precisa conhecê-lo. O problema é que o universo em questão é mais amplo e o desconhecimento do seguro tem levado a mal-entendidos, incompreensões e contenciosos invariavelmente desnecessários.
O seguro de D&O é um seguro de responsabilidade civil, ou seja, é um seguro destinado a proteger o patrimônio do segurado em função de danos que ele cause a terceiros previstos no contrato.
Mas este seguro tem algumas particularidades que o diferenciam dos demais seguros de responsabilidade civil.
A primeira é que não é o segurado quem contrata o seguro. O seguro de D&O é contratado pela empresa, como tomadora do seguro, em favor de seus administradores e conselheiros, que são os segurados. A segunda, mais importante do que a primeira, é que, por suas características de contratação, a maioria dos segurados raramente participa dela e isso tem consequências graves no caso de um sinistro negado com base em informações incorretas prestadas no momento da contratação do seguro.
O contrato de seguro é um contrato que exige três vezes boa fé da seguradora e do segurado. É aí que mora um dos problemas para o bom funcionamento deste tipo de seguro. Quem contrata a apólice não é o segurado, é a empresa na qual o segurado é administrador ou conselheiro. Mas a empresa, a pessoa jurídica, não realiza nenhum ato ela mesma. Os atos são realizados por funcionários, gestores, diretores, etc., ou seja, por pessoas naturais com poderes para sua execução. Assim, não é possível a seguradora negar um sinistro alegando que não há cobertura porque o segurado prestou informações incorretas. No caso, a maioria dos segurados não tem acesso aos questionários de contratação do seguro, nem presta qualquer informação, nem é solicitada a prestá-las.
Como se trata de um seguro com particularidades próprias, a seguradora deveria fazer um profundo estudo das informações que lhe são uteis, ou mesmo indispensáveis para aceitar o risco. Atualmente os questionários normalmente utilizados são incompletos e deixam de abordar mais detalhadamente informações e pontos relevantes para conhecer a realidade da empresa, sua forma de gestão e a consequente responsabilidade dos segurados.
Aqui é necessário um parêntese importante para salientar que o beneficiário do seguro de D&O não é a empresa, nem os acionistas, nem terceiros prejudicados por atos de gestão de executivos e conselheiros. O segurado da apólice de D&O é o executivo ou o conselheiro. O que o seguro se propõe a fazer é reembolsar este profissional dos prejuízos que ele venha a sofrer em função de danos causados a terceiros no exercício regular da profissão. E neste sentido o cancelamento da apólice pela seguradora em função de informações incompletas (como acontece na maioria das vezes) ou sem verificação pela seguradora, pode não ter sustentação legal, uma vez que não houve má fé do segurado, que, insista-se, não participa, na maioria das vezes, do processo de contratação do seguro.
Mas há outro problema que precisa ser equacionado. O Brasil, pelas tipicidades e distorções que afetam o país, tem dois grandes grupos de riscos que podem ameaçar os executivos das empresas, sem que eles possam interferir de alguma forma. Os primeiros são riscos econômico-financeiros decorrentes da atuação da empresa num ambiente de crise; e os segundos são riscos políticos, decorrentes de ações de governo, como gerar um prejuízo de mais de 60 bilhões de reais para a Petrobrás e comprometer todo o setor canavieiro, mantendo artificialmente o preço do petróleo. Até que ponto os executivos das empresas podem ser responsabilizados por isso?
Se a ideia é o seguro de D&O se consolidar, é necessário rever urgentemente os questionários e os clausulados das apólices.
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