Um cenário preocupante
Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça
Faz muito tempo que o trânsito brasileiro mata e deixa inválidos centenas de milhares de pessoas todos os anos. De acordo com os últimos números fornecidos pela Seguradora Líder do Consórcio DPVAT, o seguro obrigatório para veículos automotores terrestres, em 2018 foram pagas quase trinta e nove mil indenizações por morte e mais de duzentas mil por invalidez.
Como nem todos os interessados reclamam as indenizações a que teriam direito, pode-se dizer que o trânsito, em 2018, só em acidentes envolvendo veículos automotores terrestres, matou quarenta mil pessoas. É número comparável às baixas de guerras sangrentas, como a da Síria ou a do Afeganistão.
Mas o número é pior e tende a crescer nos próximos anos. O trânsito vai mudando de cara, novos veículos vão sendo incorporados ao cotidiano das pessoas e eles têm enorme potencial de causar um número ainda maior de mortos e inválidos, se não forem tomadas medidas enérgicas destinadas a regulamentar o seu uso.
A chegada massiva de bicicletas compartilhadas em praticamente todas as capitais brasileiras traz como principal problema o aumento destes veículos nas ruas e calçadas, sem que aconteça a disponibilização de vias específicas para eles na velocidade e com a inteligência urbana necessárias a garantir a segurança de seus usuários.
O resultado é o caos no uso destes equipamentos, com ciclistas confundindo o direito de ir e vir com a necessidade da definição da utilização das diferentes vias públicas pelos diferentes tipos de veículos.
É inimaginável a utilização de uma bicicleta numa via expressa de alta velocidade. No entanto, quem trafega pelas marginais da cidade de São Paulo já se acostumou a ver ciclistas pedalando por elas. Da mesma forma, várias outras artérias importantes não foram feitas para receber bicicletas. Mas elas estão lá, assim como vários quilômetros de ciclovias foram implantados em locais absolutamente impróprios, quer pela topografia, quer pelo uso urbano da região.
Vale lembrar que, apesar de metálicas, as bicicletas não têm para-choques e são muito mais leves do que os outros veículos com que pretendem dividir os espaços. No caso de uma colisão as chances são todas contra elas. E para piorar o quadro – pasme! -, os ciclistas, ao contrário dos motociclistas, não são obrigados a usar capacete.
Como nem todos os acidentes envolvendo bicicletas acontecem com a participação de automóveis, ônibus ou caminhões, as vítimas de parte destes acidentes não são percebidas pelas estatísticas da Seguradora Líder, aumentando ainda mais o número real de mortos e inválidos pelo trânsito brasileiro.
Mas as bicicletas agora têm um novo companheiro nas ruas. Os patinetes elétricos vieram para ficar. E seu uso é ainda menos regulamentado do que o das bicicletas.
É preciso dizer que as bicicletas e os patinetes elétricos são muito benvindos às cidades do mundo inteiro. Sem eles o caos das ruas seria maior e os índices de poluição estariam bem mais elevados.
O problema não é sua utilização, mas como é feita. Sem a regulamentação rígida e o controle severo de seu uso, as consequências podem ser muito sérias e aumentar o número de pessoas mortas ou permanentemente inválidas em função de acidentes de trânsito.
É indispensável que o Poder Público crie regras de uso e vias restritas para bicicletas e patinetes elétricos. As situações em que o espaço das ruas pode ser dividido entre as diversas formas de transporte precisam ser muito bem definidas, o que não acontece atualmente e leva centenas de pessoas a utilizarem de forma equivocada um equipamento que tem tudo para ser um parceiro e não uma arma.
Imaginar que este cenário não preocupa as seguradoras é desconsiderar a capacidade de avaliar riscos de seus gestores. O problema vai muito além dos seguros de veículos, incluídos patinetes elétricos e bicicletas, ou os seguros de responsabilidade civil e acidentes pessoais acoplados a eles. Planos de saúde privados e seguros de vida e acidentes pessoais também podem ter a sinistralidade agravada.
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