Será que é sério?
Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo
por Antonio Penteado Mendonça
O Brasil tem, de acordo com a Seguradora Líder do DPVAT, mais de 60 mil mortos em acidentes de trânsito todos os anos. Além deles, outros milhares de brasileiros ficam inválidos ou têm que custear despesas médicas-hospitalares em função de sequelas e ferimentos causados por esses acidentes.
Uma parte importante das indenizações é paga pelo seguro obrigatório de veículos, justamente, o DPVAT. Que, além disso, repassa metade de seu faturamento para o SUS.
Em boa parte do mundo o seguro de danos corporais decorrentes de acidentes de trânsito é obrigatório. O que varia é o tipo do seguro e os capitais mínimos exigidos. Em alguns países da Europa este seguro é uma apólice de responsabilidade civil de danos corporais com capital segurado ilimitado. Em outros, há um limite. E assim sucessivamente, tanto em nações ricas, como em países pobres. A razão para isso é que os danos causados por acidentes de veículos custam caro e nem sempre o causador do dano tem recursos suficientes para fazer frente aos prejuízos sofridos pelos terceiros que, de uma forma ou de outra, ele atinge.
O Brasil não é exceção à regra. Pelo contrário, o total de vítimas acima nos coloca entre os países campeões de mortes no trânsito. Apenas a título de comparação, e para dar uma noção da ordem de grandeza, enquanto no Brasil morrem 60 mil pessoas por ano, em 10 anos de guerra no Vietnã morreram 50 mil soldados norte-americanos. Quer dizer, o trânsito brasileiro é uma das mais eficientes armas de destruição em massa criadas pelo homem.
Se a comparação for feita com os mortos na guerra civil da Síria ou com os combates na Ucrânia, mais uma vez o Brasil ganha com imensa folga. Temos 5 mil mortos por mês, enquanto estes países, devastados por combates sangrentos, têm menos da metade deste número por ano.
A solução encontrada pelo Brasil para fazer frente à tragédia das vítimas do trânsito é inteligente e eficiente. Ao contrário da Europa, o nosso seguro não é de responsabilidade civil, mas de danos corporais.
A grande inovação brasileira é que não é necessário que haja culpa do motorista causador do dano para que o seguro indenize. O simples fato de um veículo se envolver num acidente com vítimas obriga o pagamento das indenizações, que se dividem em três categorias: morte, invalidez permanente e despesas médico-hospitalares, cada uma com um limite pré-estabelecido. Mas se há limite para as indenizações, não há limite para o total de vítimas com direito a elas.
O capital segurado pode parecer baixo, mas é importante lembrar que na garantia de morte ele corresponde a mais ou menos 20 salários mínimos. O valor da indenização poderia ser o dobro do atual, mas como metade do faturamento do seguro, por lei, é repassado para o SUS, não tem como as indenizações serem mais elevadas, sem aumentar o preço.
Anualmente o DPVAT paga mais de 1 bilhão de reais em indenizações e repassa para o SUS expressivo montante de dinheiro. Pois pasme! De acordo com o Informativo diário da Editora Roncarati, reproduzindo informação da “Agência Câmara Notícias”, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 7097/14, que altera a Lei 6194/74, que regulamenta o DPVAT, e torna facultativa a sua contratação pelos motoristas.
É destes absurdos típicos dos legisladores pátrios. Não tem sentido um país que tem 60 mil mortos em acidentes de trânsito todos os anos abrir mão da única ferramenta concreta para minimizar o sofrimento das famílias atingidas.
A leitura da explicação para o projeto mostra o caráter demagógico da proposta. Hoje quem não paga o DPVAT fica com a documentação do veiculo irregular. E boa parte dos proprietários de veículos mais velhos, que não paga o licenciamento do carro, deixa de pagar o seguro obrigatório também. Por que punir quem não paga o seguro obrigatório? É muito mais fácil e mais simpático isentar o proprietário do veículo deste pagamento. Se a arrecadação do SUS vai sofrer um baque, ou se milhares de vítimas e seus beneficiários não receberão nada, não é problema de deputado.
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