Será que a hora é essa?
Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça
O Governo brasileiro acaba de mexer nas regras do resseguro sem consultar os maiores interessados: as seguradoras e as próprias resseguradoras em operação no Brasil. No dia 20 passado, o CNSP (Conselho Nacional de Seguros Privados) baixou a Resolução 322/15, alterando de novo o que ele já havia mudado em 2011. Ainda que progressivas, as novas regras mudam profundamente o quadro atual e podem comprometer o desenvolvimento da atividade resseguradora no Brasil, que, curiosamente, caminha a passos largos para se transformar no polo regional de resseguros da América do Sul. Assim, é importante, ainda que tardiamente, ressaltar que uma coisa mal combinada, como é o caso, nunca é tão boa quanto poderia ser.
De 1939 a 2007, o Brasil teve um bem sucedido período de monopólio do resseguro. Nestas décadas, graças ao monopólio do resseguro, o país assistiu ao surgimento e consolidação de um segmento econômico que foi dos que mais cresceram nos últimos 20 anos. Em 2007, a exclusividade do IRB Brasil Resseguros (antigo Instituto de Resseguros do Brasil) foi quebrada e, a partir de 2008, a operação de resseguros no país passou a ser feita por três tipos diferentes de resseguradoras, a saber, local, admitida e eventual.
Não cabe aqui entrar nas tipicidades de cada uma, mas vale salientar que, de 2008 até agora, mais de cem resseguradoras solicitaram e conseguiram autorização para operar em resseguros no Brasil, confirmando o interesse das grandes corporações internacionais pelo mercado de seguros brasileiro.
O desenho adotado para abrir o setor foi tipicamente brasileiro. As regras impostas pelo Governo são únicas e destoam do que é praticado na maioria dos países, o que não quer dizer que sejam ruins ou que não tenham dado certo.
Pelo contrário, termos mais de cem resseguradoras autorizadas a operar no país e os resultados das resseguradoras locais nos últimos exercícios terem sido positivos mostra que estamos no caminho certo ou, pelo menos, que não estamos cometendo um erro capaz de inviabilizar o negócio ou espantar os interessados.
Como não poderia deixar de ser, há pontos que necessitam de correção, mas a pergunta que fica é se a forma adotada foi a correta. No mundo inteiro há excesso de capital, por isso os preços dos resseguros estão baixos. Mesmo assim, no último exercício, as resseguradoras locais brasileiras mostraram um desempenho positivo, sendo que o IRB Brasil Resseguros foi o responsável pela maior parte do lucro consolidado.
Um dos pontos que dificultou a abertura do resseguro no país foi justamente o futuro do IRB. Havia sérias dúvidas a respeito de sua capacidade de competir num mercado aberto. Dúvidas tão sérias que, alguns anos após a abertura, o Governo não hesitou em modificar as regras para diminuir o poder de fogo dos grandes conglomerados instalados no Brasil.
Em poucos anos, todos encontraram soluções interessantes para se manterem competitivos e o IRB se consolidou como a maior resseguradora do país e uma das mais importantes da América do Sul. Seu sucesso é tão brilhante que o Governo está com a abertura do seu capital (IPO) praticamente pronta, faltando definir a data do lançamento das ações na Bolsa de Valores.
É justamente aqui que mora o perigo. Perigo que ameaça o futuro do mercado de resseguros brasileiro e, mais diretamente, o IPO do IRB.
Parece que na base das ações recém-implementadas está a forte pressão internacional para que o Brasil abra mais sua economia. Como pouca gente conhece o que é resseguro, é fácil olhar a atividade e colocá-la como cavalo de Tróia para enganar gregos e troianos, sacrificando um setor de pouca expressão em valores absolutos para manter fechados setores que não interessa abrir.
Mas a conta é mais complicada. Mudar as regras do resseguro como foi feito pode comprometer a geração de poupança interna, reduzir o peso do setor de seguros como gerador de reservas estratégicas e, no curtíssimo prazo, diminuir o interesse pelo IPO do IRB. Entre mortos e feridos, o único que perde é o Brasil.
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