Seguros para os mais pobres
Originalmente publicado no jornal SindSeg SP.
por Antonio Penteado Mendonça
Não é a primeira vez que eu escrevo que a diferença entre a pobreza e a miséria é que na miséria não tem dignidade. E o número de miseráveis está crescendo no Brasil. Como se não bastasse, a miséria dos dias de hoje não tem qualquer sombra de poesia, não rende samba, nem tem “Amélia passando fome ao meu lado”. A miséria é brutal e tem uma graduação terrível: pior do que favela na beira de estrada de fero, só a dureza das ruas.
Tem quem ache as grandes comunidades, como Heliópolis ou Paraisópolis, o fim da linha, mas. dentro de seu universo, existem moradias de vários andares, muitos cômodos, equipadas com todos os confortos da vida moderna. De verdade, pode-se dizer que são bairros de classe média baixa, com moradores de classe média, média e até pessoas bastante abastadas.
Nelas tem energia e água, investimentos dos governos, participação de ONG’s ativas, que desenvolvem trabalhos altamente sofisticados, como a orquestra de Heliópolis, que já revelou jovens talentos que hoje estudam nas melhores escolas de música do mundo.
O grande drama se dá embaixo dos viadutos, ao lado das pontes, dentro dos túneis, onde, atualmente, milhares de pessoas, muitas delas de uma mesma família, dormem uma ao lado da outra, sujeitos às condições climáticas, que podem ser cruéis e são capazes de matar.
A diferença entre a grande multinacional e o pequeno empreendedor que puxa seu carrinho de coleta de lixo é que, se a multinacional sofre uma perda, sua apólice de seguro indeniza, ao passo que o catador de papel, se perder o carrinho, perde tudo e volta para a miséria de onde vinha tentando sair.
Hoje o Brasil tem mais de cem milhões de pessoas próximas da linha da pobreza e mais de treze milhões na miséria. Treze milhões de pessoas é mais do que a população de Portugal e é este número de cidadãos que nós temos na linha da miséria.
As carências do país são enormes. Somos fracos na educação, parte da população mal tem acesso a saúde, não temos saneamento básico minimamente decente para mais da metade da população e a segurança pública é matéria muito discutível.
O resultado são os altos índices de criminalidade, com perto de sessenta mil homicídios dolosos e quarenta mil mortos em acidentes de trânsito todos os anos. Mais de dois mil trabalhadores morrem anualmente vítimas de acidentes do trabalho. Mais de cinco mil mulheres sofrem complicações em função de abortos clandestinos. E agora, com o coronavírus, temos mais de cento e vinte mil mortes pela codvid19, até agosto de 2020.
A melhor forma de se atacar o problema é enfrentar cada uma das carências e solucionar suas deficiências, mas isto é trabalho para gerações. No curto prazo, uma ferramenta que poderia ter resultados bastante interessantes seria oferecer seguros de diferentes naturezas para as classes mais baixas e necessitadas da população.
O tema já foi discutido no governo, mas, por razões pouco claras, nunca avançou. Fazendo uma conta simples, com cinco bilhões de reais por ano o governo conseguiria garantir seguro de vida e seguro patrimonial para todos os participantes do Bolsa Família. Seria uma contribuição inédita e capaz de permitir a preservação das famílias atingidas pelos eventos de todos os tipos que causam prejuízos à nação.
Os capitais não precisariam ser muito elevados. Com doze salários mínimos, o seguro de vida garantiria pelo menos um ano de subsistência para as famílias que perdessem seus arrimos. E, com o mesmo valor, seria possível garantir a reconstrução das moradias e pequenos negócios no interior das comunidades, atingidos por fogo, água ou outro evento de origem externa.
O auxílio emergencial pago pelo governo por causa da pandemia mostra que a operacionalização destes seguros é viável. Outra solução seria a inclusão das garantias no cartão do Bolsa Família. Seja qual for a solução adotada, o que é preciso é que o projeto comece logo.
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