Seguro e rerreguro
Originalmente publicado no jornal Tribuna do Direito.
por Antonio Penteado Mendonça
O sistema internacional de seguros é composto pelas seguradoras e pelas resseguradoras. São empresas completamente diferentes, com objetos diferentes e formas de atuação diferentes. Enquanto a seguradora negocia com o segurado a colocação dos riscos e recebe para isso, ela também negocia com a resseguradora, só que, neste caso, paga para ela aceitar os valores que ultrapassam sua capacidade de retenção.
As seguradoras têm um limite de retenção de risco destinado a evitar que a companhia aceite mais do que sua capacidade e assim não comprometer sua operação, ou seja, o pagamento das indenizações. Uma seguradora não aceita apenas um risco, daí ela necessitar fazer reservas técnicas destinadas a suportar seus compromissos com base nos riscos assumidos, na solvência, no capital e na frequência dos sinistros.
É aí que as resseguradoras entram em cena e garantem o funcionamento do sistema. As resseguradoras oferecem para as seguradoras o capital que elas necessitam para assumir riscos além do seu limite de aceitação. Além disso, oferecem também outras modalidades de contratos, que limitam a exposição da seguradora, fazendo uma linha de corte, a partir da qual o percentual da indenização devida é suportada pela resseguradora.
Não cabe aqui detalhar os contratos de resseguros, nem entrar no seu funcionamento, o que estamos analisando são as diferenças entre as companhias.
A primeira e mais importante diferença entre uma seguradora e uma resseguradora é que quem contrata com o segurado é a seguradora. Quem assume o risco direto de um determinado bem, obrigação ou capacidade de atuação é a seguradora. É ela quem aceita o risco, taxa o prêmio, emite a apólice, regula o sinistro e paga as indenizações.
Nos resseguros que envolvem as carteiras da seguradora, a resseguradora não tem qualquer contato com o segurado, nem assume o seu risco. A resseguradora, em verdade, assume o risco da seguradora, já que ela se responsabiliza por um determinado percentual da carteira de seguros e não do risco de cada segurado.
Nos resseguros das carteiras, para a resseguradora é absolutamente indiferente conhecer cada um dos segurados. O que ela analisa são os números da seguradora. Valores envolvidos, prêmio médio, sinistro médio, frequência dos sinistros, solvência, reservas, enfim, os dados que podem interferir no resultado do contrato de resseguro.
Dez anos depois do fim do monopólio do resseguro, o Brasil tem atualmente mais de 100 resseguradoras autorizadas a aceitarem riscos nacionais. Elas se dividem em três grandes grupos de empresas: as resseguradoras locais, as admitidas e as eventuais. Cada uma delas tem regras específicas de funcionamento e aceitação dos riscos, sendo que as locais são as que tem maior poder de fogo, em função do seu desenho legal.
Grosso modo, a relação seguradora/resseguradora flui de forma harmoniosa, sendo rara a ocorrência de atritos entre elas. A imensa maioria dos contratos não enfrenta qualquer tipo de problema. Onde a coisa pode ficar mais complicada é nos resseguros avulsos, nos quais a participação da resseguradora pode chegar ao nível de também negociar com o segurado, praticamente junto com a seguradora.
Normalmente, os contratos de resseguros seguem regras aceitas internacionalmente, que são mais ou menos impostas às seguradoras. Acontece que a lei brasileira é clara em definir que a língua que prevalece nos contratos brasileiros é o português e que a relação que prevalece no caso de eventual divergência no pagamento da indenização é o contrato de seguro, emitido de acordo com a lei brasileira.
Isto já causou alguns problemas na regulação de sinistros importantes. Na medida em que boa parte das cessões de resseguros são feitas para companhias estrangeiras e a língua internacionalmente aceita pelas resseguradoras é o inglês, é comum as condições das cessões serem feitas em inglês, o que pode gerar problemas de interpretação do clausulado, na medida em que as traduções nem sempre levam em conta o significado exato de cada palavra.
Houve casos em que a divergência foi de tal ordem que, apesar do ressegurador entender que se tratava de risco excluído, a justiça brasileira mandou pagar a indenização.
Neste ponto surge uma segunda questão da maior importância: até que ponto a resseguradora acompanha automaticamente a sorte da seguradora?
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