Seguro e renda
Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça
As estatísticas mostram que a penetração do seguro é muito maior nos países desenvolvidos do que nos países pobres. É o retrato óbvio. Não poderia ser diferente. Não porque os países desenvolvidos tenham uma população melhor, mas porque os países desenvolvidos têm políticas sociais mais eficientes, começando por saúde e educação, que dão aos seus cidadãos não apenas uma percepção mais clara dos princípios éticos e morais essenciais para forjar a argamassa necessária ao desenvolvimento social, mas a chance concreta de viver de acordo com eles, suportados por eles e suas consequências nos desafios da vida cotidiana.
Ninguém é miserável porque quer. Ninguém vive abaixo da linha da pobreza, com no máximo um salário mínimo, porque acha bonito. Se resolver o problema da desigualdade social fosse fácil não tinha desigualdade social no mundo, nem diferença gritante entre o grau de desenvolvimento das nações. Todos seriam ricos, teriam saúde e educação e o bem estar social seria uma realidade e não promessa de campanha eleitoral. Só que não é assim. A maioria dos países é pobre, seus habitantes são pobres e as chances de mudar este quadro hoje são, no mínimo, remotas.
Não cabe aqui fazer um resumo da história do mundo. Os problemas de cada um são os problemas de cada um. Por isso não existe uma fórmula mágica que resolva as diferenças entre as nações. Não adianta imaginar que simplesmente importar soluções resolva alguma coisa. Não resolve, a não ser que antes dela se tenha claro o objetivo, o estudo necessário para dimensiona-lo, o projeto para alcançá-lo e os meios para se chegar lá. A única regra aplicável a todos é que sem saúde e educação não é possível a existência de sociedades desenvolvidas.
É aí que as diferenças entre países ricos e pobres tendem a crescer. As nações desenvolvidas têm sistemas de saúde e educação eficientes e que dão às suas populações as ferramentas para continuarem a progredir. Têm programas sociais e de transferência de renda que garantem ao cidadão o mínimo para viver com dignidade e aos seus filhos a chance de terem um futuro melhor. Têm geração de riqueza e poupança para garantir os investimentos necessários a manter seus índices de desenvolvimento. Ou seja, a bola de neve desce a montanha e cresce sempre.
Neste cenário, o seguro é uma ferramenta importante para a estabilidade social. Tendo por objetivo repor as perdas de integrantes da sociedade atingidos por eventos danosos, ele se vale de princípios aglutinadores, como solidariedade, compaixão, geração de poupança e divisão dos prejuízos para garantir a preservação das vítimas através da reposição do patrimônio ou da capacidade de atuação atingida pelo evento, custeada proporcionalmente por cada integrante do grupo.
Ao fazer seguro, os integrantes de uma sociedade garantem os meios para bancar seu desenvolvimento. Como, no caso de uma perda, a obrigação de ressarci-la é da seguradora, eles preservam sua capacidade de investimento, já que não precisam realocar seus recursos para arcar com os prejuízos.
As sociedades pobres têm baixa capacidade de poupança. Parte importante de seus integrantes está abaixo ou próxima da linha de pobreza. Seus ganhos invariavelmente são insuficientes para garantir um padrão mínimo de bem estar social e os gastos, por falta de opção, se restringem a comer, morar e se vestir. Consequentemente, não têm os excedentes ao menos para pagar uma série de serviços indispensáveis ao incremento mínimo de sua qualidade de vida, que deveriam ser disponibilizados pelo poder público, tradicionalmente ausente.
Sem recursos para alimentação, moradia e vestimentas decentes, sem saúde, educação e segurança eficientes não há como se falar em outros gastos, entre eles a contratação de seguros. Esta é a diferença entre a grande empresa e o morador de uma comunidade. Se um sinistro atinge a empresa, sua seguradora indeniza e ela toca em frente. Se um sinistro atinge o dono de um pequeno estabelecimento numa comunidade, ele e sua família perdem tudo e voltam para a miséria.
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