Seguro é mutualismo
Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo
por Antonio Penteado Mendonça
Ao contrário do que se pensa, o seguro não nasceu na Inglaterra, no século 18.
É muito anterior. Já na Mesopotâmia, 2 mil anos antes de Cristo, a operação estava codificada, com um desenho semelhante ao atual. Na época, o comércio era feito através de caravanas, que saíam de uma cidade em direção a outra, carregando mercadorias para serem comercializadas em outras praças. Ao longo do percurso, pessoas, animais e cargas ficavam sujeitos a acidentes de todas as naturezas, capazes de ocasionar perdas para um ou todos os seus integrantes.
Como estas perdas não atingiam a todos com a mesma severidade, ao chegar ao destino, fazia-se um balanço do que havia acontecido durante o trajeto e os prejuízos eram divididos pelos integrantes da caravana de forma proporcional à participação de cada um.
Até hoje este é o princípio básico que rege o contrato de seguro. Atualmente o negócio é mais sofisticado, mas na essência é exatamente a mesma operação: a divisão dos prejuízos que atingem alguns por todos os componentes do grupo.
Altamente preciso, o negócio nos dias de hoje é baseado em estatísticas, médias históricas, tábuas de mortalidade, frequência média, valor médio, fraude, custos de distribuição, custos administrativos, resseguros, investimentos financeiros, etc., mas no fundo é praticamente a mesma operação codificada na alvorada da civilização. E com a mesma finalidade: proteger a sociedade.
O segredo do seguro está na repartição dos prejuízos entre todos os segurados de uma determinada carteira da companhia. Não é necessário que uma pessoa seja atingida por um evento que lhe cause prejuízo, nem é preciso identificar quem é essa pessoa. Ao contratar o seguro e começar a pagar o prêmio, o segurado começa a custear as despesas da seguradora, entre as quais as mais vultosas e importantes são os pagamentos dos sinistros que vão sendo avisados pelos segurados ao longo do tempo.
Estes recursos são retirados de um fundo administrado pela seguradora, mas que é composto pelos pagamentos de cada segurado, de acordo com sua participação proporcional no total das responsabilidades transferidas para a seguradora. Quem tem mais exposição aos eventos que podem causar prejuízos paga mais do que aquele que tem menos.
É por isso que a seguradora não pode devolver o prêmio pago pelos segurados que não tiveram sinistros. O dinheiro pago por eles foi utilizado para custear as indenizações devidas aos segurados que sofreram perdas cobertas.
Se não fosse assim, se a seguradora não fizesse uma conta de chegada para determinar o custo médio do negócio, o preço do seguro seria mais de 100% do valor em risco de cada segurado.
Como as estatísticas mostram com certeza quase absoluta o desenvolvimento do negócio, a seguradora consegue precificar antecipadamente o custo de cada apólice, levando em conta as tipicidades de cada risco que lhe é oferecido.
No final do ano, a seguradora faz a conta para ver quanto pagou em indenizações, custos operacionais, comerciais e administrativos, além de impostos. Se for menos do que o recebido pelo fundo, então libera o que sobrou e apropria este dinheiro, que passa a lhe pertencer. Se a conta for maior do que o recebido, a seguradora tem prejuízo operacional, o que a obriga a adotar outras medidas, que vão da melhora de seus procedimentos ao aumento do preço dos seguros.
É por isso que a situação atual do país é ruim para o setor de seguros. Com inflação elevada, a remuneração dos investimentos tem parte do resultado comido por ela, o que compromete uma das ferramentas de que a companhia dispõe para minimizar o impacto do resultado direto negativo, causado pela alta sinistralidade de algumas carteiras, como acontece neste momento com o seguro de veículos.
Sem conseguir melhorar o resultado e sem poder mexer mais fortemente no preço, em função da crise e da concorrência, as seguradoras fecharão 2014 com resultados bem abaixo dos anos anteriores. E o prognóstico para 2015 não é mais brilhante.
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