Seguradora não tem poder de política
Originalmente publicado no jornal SindSeg SP.
por Antonio Penteado Mendonça
Os seguros de garantia oferecem várias possibilidades de coberturas, destinadas a diferentes situações, quando alguém precisa dar uma determinada garantia para se capacitar a realizar um determinado ato jurídico, seja participar de uma licitação, realizar uma obra, fornecer produtos ou serviços, garantir o juízo em ação judicial, garantir um débito fiscal, etc.
Entre as muitas possibilidades, uma se destaca pela publicidade sobre ela, especialmente depois que várias obras tiveram seu andamento comprometido em função das apurações de corrupção que se espalharam pelo Brasil. É o seguro conhecido como “performance bond”, ou obrigação de fazer, disponibilizado pelas seguradoras como alternativa para a fiança bancária ou depósito em dinheiro, exigido por boa parte dos contratos de grande porte e aceitos pela legislação, especialmente pelo novo Código de Processo Civil (que incentiva seu uso), como ferramenta importante para o regular adimplemento das relações jurídicas.
O seguro de performance bond faz parte das garantias aceitas pelos editais de licitação para a realização de obras públicas, privatizações e transferências de obrigação do Poder Público para a inciativa privada.
Não é um seguro novo, nem desconhecido. Na década de 1980 ele foi utilizado com sucesso para a construção da Usina Nuclear Angra 2, uma das mais importantes e caras obras de engenharia do período.
Também durante a privatização das estradas paulistas o seguro de garantia de fazer foi utilizado com sucesso, permitindo que o Estado de São Paulo transferisse para a inciativa privada a administração de parte da malha rodoviária de sua propriedade.
Foi nessa época que a SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) promoveu importante modificação nas condições do seguro, mantendo as condições tarifárias para os riscos normais e desenhando novas condições adequadas às privatizações e obras públicas.
Depois disso, com a explosão dos processos de privatização e as licitações para a realização de novas obras públicas, chegou um momento em que as concessionárias e empreiteiras não tiveram mais patrimônio para dar em garantia de seus seguros de obrigação de fazer, o que gerou, por parte do Governo, uma equivocada alteração do clausulado dos editais de licitação, diminuindo as garantias a serem oferecidas em cada contrato.
A discussão atual é como retomar os patamares adequados para garantir a realização das obras ou o cumprimento dos contratos de privatização, dando ao Governo as garantias necessárias de que, em caso de inadimplemento do contratado ou concessionário, a avença será integralmente cumprida.
Há quem advogue a entrada em cena das seguradoras como responsáveis pela execução das obras, invocando um hipotético papel semelhante ao desempenhado pelas seguradoras norte-americanas nos contratos garantidos por suas apólices.
É importante salientar que as seguradoras não têm poder de polícia. O poder de polícia é exclusivo da autoridade competente, ou seja, elas não podem determinar a adoção de medidas punitivas, no caso de inadimplemento ou atraso na execução dos contratos.
As seguradoras podem, desde que as apólices prevejam, exercer fiscalização rigorosa do andamento do contrato, exigindo do tomador do seguro que cumpra os prazos e demais previsões contratuais dentro do organograma avençado.
Elas podem impor sanções que levem até mesmo à interrupção da garantia nos casos em que o tomador do seguro não tome as medidas necessárias a readequar sua atuação aos termos do contrato.
Mas isso não é poder de polícia, é condição contratual, o que é completamente diferente. A lei não dá a ela este poder, por isso não é legalmente factível transferir para a seguradora uma obrigação que é do Estado ou, alternativamente, do segurado pelo seguro de garantia de obrigação de fazer.
A seguradora não pode investigar ou punir ações ilegais, como superfaturamento, sobre-preço ou contratações ilegais. Estas são prerrogativas do Poder Público. O máximo que uma seguradora pode fazer é analisar o risco, ver se faz sentido, e acompanhar o andamento do contrato, caso aceite segurá-lo.
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