Retrato macabro
Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça
Desculpe voltar ao tema, mas acaba de ser oficialmente anunciado: o Brasil teve no último ano sessenta e um mil homicídios. São sete assassinatos por hora. É número comparável ao que acontece de mais apavorante em qualquer lugar do mundo, incluída a guerra civil na Síria.
Os números variam de estado para estado e, curiosamente, São Paulo, o mais populoso, o que tem a maior área urbana do país, está entre os que apresentam menor índice de mortes por cem mil habitantes.
Fica evidente que em alguns Estados a segurança pública é mais eficiente do que em outros ou, se quiserem inverter, em alguns estados, tudo o que não existe, ou pelo menos é extremamente precária, é a tal da segurança pública.
O Rio de Janeiro encabeça a lista dos Estados onde os assassinatos cresceram mais no período analisado. É só assistir televisão para ver que tanto faz o amor declarado por algumas autoridades que tentam apagar o óbvio no grito, a verdade é que o estado desandou em todos os sentidos e em todos os campos, tendo muito pouco a se fazer para reverter a situação, pelo menos no curto prazo.
Inclusive o uso das Forças Armadas para camuflar a incompetência gritante dos administradores do Rio de Janeiro deve ser imediatamente repensado, para se evitar o desgaste antipatriótico, desnecessário e injusto de quem não tem nada com a coisa, atirado às feras sem condições de vencer pela simples razão de que o que fizeram no Rio de Janeiro impede qualquer sucesso baseado apenas em operações militares.
Tanto faz quantas vezes o Exército e a Marinha subirão os morros e quantas vezes os traficantes se esconderão nas matas, no final, assim que as forças de segurança se retirarem, o crime organizado retornará e retomará o pedaço.
Sem que o Estado assuma suas responsabilidades, não há o que fazer. Sem saúde, educação, segurança e inserção social não tem como a população dos morros ser integrada à sociedade e, consequentemente, não tem como se expulsar o crime organizado das comunidades que foram abandonadas pelos governantes já faz bastante tempo.
Mas o quadro dramático não é exclusivo do Rio de Janeiro. As populações do Nordeste padecem com a falta da presença do Estado faz quase tanto tempo quanto os moradores do Rio de Janeiro. E não há nada indicando alguma mudança, a não ser para pior.
As consequências da crise que se abate sobre o Brasil são muito mais dramáticas e devastadoras do que a bandalheira dos políticos. Elas são responsáveis por sessenta e um mil homicídios por ano.
Mas não são apenas as mortes que interferem na rotina da sociedade. O altíssimo número de roubos e furtos e os dados crescentes sobre estupros apavoram tanto quanto os homicídios. O que se vê é que os bandidos perderam o respeito pela lei e seus agentes. Seja porque grande parte das mortes violentas atinja jovens até vinte e cinco anos de idade, seja porque os agentes da lei não cumprem seu papel, o fato é que o desprezo pela vida e a crueldade vão se tornando marcas registradas da bandidagem nacional.
Como consequência, o roubo de cargas corre solto, roubos e furtos de veículos atingem patamares impressionantes, roubos de residências se tornam brutais, roubos de estabelecimentos comerciais são rotina em várias regiões das grandes cidades, explosões de caixas de bancos acontecem até onde nunca teve um assalto, e por aí vamos.
E para quem acha que este quadro chega, há mais. O desfibramento da malha moral da sociedade leva ao amolecimento das regras e das normas legais. E a realidade fica pior quando o exemplo é dado pelas mais altas cortes de justiça que, em vez de aplicarem a lei, dão exemplos de tudo o que não deve ser feito, a começar pelo absoluto desprezo às leis e ao bom direito.
É olhar o que acontece nas ruas, no trânsito, nas filas, nas invasões de propriedades, na inversão da aplicação do direito, para se ter certeza que a sociedade está contaminada e que vai levar muito tempo até resgatarmos o caminho da paz social.
Enquanto isso não acontecer, os seguros em geral vão continuar caros, ou difíceis de contratar.
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