Relações delicadas
Originalmente publicado no jornal Tribuna do Direito.
por Antonio Penteado Mendonça
As relações de seguros envolvem, obrigatoriamente, pelo menos um segurado e uma seguradora. Mas será que é assim que funciona? Será que a prática é igual à teoria? No Brasil, pelo menos, as relações costumam ser bastante mais complexas e envolvem, invariavelmente, outras partes
Ou será que a relação entre o segurado e o corretor de seguros não pode ser uma relação de consumo? E qual a relação do corretor de seguros com a seguradora? A seara da Lei dos Corretores de Seguros e do Decreto-Lei 73/66, que regulamenta o Sistema Nacional de Seguros, é ampla e levanta uma série de questões pertinentes quando se analisa quem é quem e como funciona o contrato de seguros, não em termos de pagamento da indenização, mas na contratação e gestão da apólice, alteração das coberturas, pagamento de comissão de corretagem, representação do segurado diante da seguradora, regulação e liquidação do sinistro, etc.
Não há dúvida, o contrato de seguro é complexo e a complexidade, que no dia a dia é quase imperceptível, tem consequências para o fluxo das relações envolvidas.
Dependendo da forma como o negócio é feito, desde a captação do cliente, ou seja, ainda antes do envio da proposta de seguro para a seguradora, seu desenlace pode apresentar situações diferentes, com relações diferentes, gerando resultados também diferentes, que impactam a transação, encarecendo-a, ou não, mas criando um rito próprio, no qual as responsabilidades de cada parte ficam claramente definidas e circunscritas.
Não há dúvida, a relação entre o corretor de seguros e o segurado cria um vínculo entre eles, que se estende por toda a vigência do contrato, mas que não fica claro no texto da lei.
De acordo com a legislação pertinente, o corretor de seguros é “o intermediário legalmente autorizado a angariar e promover contratos de seguros entre as Sociedades Seguradoras e as pessoas físicas ou jurídicas de Direito Privado” (art.122 do Decreto-Lei 73/66).
A leitura do artigo não leva à conclusão de que o corretor de seguros acompanha o segurado durante toda a vigência da apólice. Nem que sua atuação é diferente da de um corretor de imóveis, por exemplo, que, terminada a compra e venda, não tem mais nada com as partes. Todavia, é isso que acontece. O corretor de seguros fica vinculado ao segurado e sua grande missão é assessorá-lo depois da ocorrência do sinistro. Cabe ao corretor verificar e tomar as providências para que a seguradora indenize rápida e corretamente os eventos cobertos.
Mas quem paga a indenização é a seguradora. O corretor, exceto em caso de culpa, não pode ser chamado a fazer frente aos sinistros. Ele não é autorizado a aceitar o risco, mas apenas a colocá-lo. Quem aceita o risco é a companhia de seguros. Assim, só ela é legalmente responsável pelo pagamento das indenizações.
Já o segurado, para ter os serviços de um corretor de seguros e para contratar a apólice, é responsável por dois pagamentos, que deixam evidentes os dois vínculos. Ele é quem paga o prêmio do seguro e a comissão de corretagem. Ou seja, o segurado é cliente da seguradora e do corretor de seguros. E, muito embora as relações sejam completamente diversas, elas correm paralelas e podem interferir uma na outra.
É o caso do corretor deixar de informar à seguradora alguma alteração da apólice determinada pelo segurado. Acontecendo o sinistro, a seguradora indenizará ou não de acordo com o contrato original, sem levar em conta a vontade do segurado, o que pode resultar num prejuízo para ele.
Esse prejuízo pode ser cobrado do corretor de seguros que tem, expressa nas leis específicas, além da norma geral, a responsabilidade de arcar com os prejuízos que venha a causar, tanto ao segurado, como à seguradora, no exercício da profissão.
Assim, o que se vê é que existem três grandes linhas independentes, mas paralelas e complementares, envolvendo as relações de seguros. São elas a relação segurado/corretor de seguros, a relação segurado/seguradora e a relação corretor de seguros/seguradora.
Ainda que uma não interfira diretamente nas obrigações e direitos decorrentes das outras, todas de alguma forma estão conectadas, podendo gerar consequências para as demais relações, apenas com base na legislação específica e independentemente das relações de consumo que possam advir da tipicidade do contrato de seguro.
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