Porque lá funciona e aqui não
Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça
O sistema de saúde pública britânico é considerado o melhor do mundo. Pragmático, objetivo e eficiente, ele garante o acesso a programas sofisticados, em padrões elevados para todos os seus integrantes. Pensado para oferecer o melhor atendimento possível para todos os seus segurados, ele se baseia em regras rígidas, que levam em conta as necessidades médias, suportadas pelos recursos de um orçamento limitado, que não pode estourar, sob o risco de comprometer a estabilidade do governo.
A regra básica que suporta este desenho é o atendimento no mesmo patamar para toda a população. O sistema de saúde britânico leva em conta as necessidades da sociedade e não a salvação do indivíduo. Para isso, ele leva em conta as estatísticas que apontam que um número X de pessoas irá morrer todos os anos, vítimas de diferentes causas, que vão de acidentes de trânsito a doenças importadas das selvas tropicais, passando por todos os tipos de câncer, doenças cardíacas, gripes, alergias e o mais que necessita o suporte do serviço público de saúde.
O importante é dar o melhor atendimento possível para o maior número de pessoas. Assim, o sistema se baseia numa rede médico-hospitalar instalada para atender o maior número de pessoas com o mínimo de custos e em listas de procedimentos pré-estabelecidos, aplicáveis a cada uma das situações. E estas listas não contemplam necessariamente os procedimentos mais modernos que existem.
Nos hospitais públicos britânicos, os apartamentos privativos e os banheiros individuais são a exceção. Da mesma forma, o sistema não oferece necessariamente o tratamento mais moderno que existe para todas as situações. Como o objetivo não é a cura do indivíduo, mas a proteção da sociedade, e nem sempre o gasto com um tratamento sofisticado faz diferença significativa em relação a outros procedimentos menos modernos, o sistema paga o que está elencado nas listas de referência e não paga o que não faz parte delas, por mais que uma vida possa ser salva se um procedimento fora delas fosse utilizado.
Na Grã-Bretanha não há a hipótese de uma pílula “mágica”, não testada, aprovada e incluída na lista de referência ser distribuída por ordem da Justiça. As listas de referência, bem como os procedimentos, estão previstos em lei e lá, ao contrário do que regularmente acontece no Brasil, lei é para ser cumprida, principalmente pelos juízes. Se, com o avanço da medicina, surgirem novos procedimentos e medicamentos que devam fazer parte do rol coberto, muda-se a lei para que eles sejam incluídos, mas até que isso aconteça, eles não são custeados.
Da mesma forma, o sistema de saúde britânico não paga tratamentos no exterior, nem importa medicamentos caros para pacientes individuais. Na medida em que o sistema é pensado para oferecer a melhor medicina possível para toda a população e as estatísticas mostram que um determinado número de pessoas irá morrer todos os anos, não há sentido em retirar recursos que poderiam atender um maior número de segurados em benefício de um único indivíduo com quadro fora da curva.
O orçamento da saúde é limitado e baseado em cálculos estatísticos. Se os recursos forem destinados a despesas não previstas, dezenas de pessoas podem ficar sem atendimento, por falta de dinheiro para custear seus tratamentos. A função da saúde pública é atender a regra e não a exceção.
E isto, principalmente no Brasil, onde o sistema público deixa tanto a desejar, vale para os planos de saúde privados também. Quem paga as despesas não são as operadoras, são os segurados. Obrigar o atendimento de procedimentos não garantidos pelo plano de saúde é ameaçar o futuro de milhões de pessoas, que podem ficar sem tratamento porque seu plano teve que custear procedimentos não previstos no rol de coberturas, ou seja, tratamentos para os quais não houve pagamento, o que obriga a operadora a sacar do fundo comum, reduzindo a capacidade do mútuo, em detrimento do custeio dos procedimentos cobertos e dos atendimentos futuros.
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