Planos de saúde ameaçados
Originalmente publicado no jornal Sindseg SP.
por Antonio Penteado Mendonça
A saúde pública brasileira está doente. A notícia não é boa para os planos de saúde privados. Parte dessa conta vai ser transferida para eles e o custo extra não está precificado.
A discussão é complexa. De um lado temos um contrato que deveria ser respeitado e de outro, a visão majoritária do Judiciário que entende que a vida humana não pode ser colocada em risco e por isso concede liminares para procedimentos que não estão previstos no plano ou mesmo na lei. Como decisão judicial se cumpre, os planos pagam os procedimentos e ficam com o prejuízo.
Ao contrário do que acontece nos países desenvolvidos, aqui as operadoras de saúde privadas devem reembolsar o SUS pelo atendimento dado aos seus clientes. Tanto faz se o cliente, antes de ser cliente, é cidadão e por isso tem direito à assistência à saúde nos termos previstos na Constituição. O legislador brasileiro, numa pérola de interpretação da Lei Maior, decidiu que é assim e contra lei não há o que fazer. A avenida é de mão única. Os procedimentos não cobertos, mas pagos pelos planos morrem neles. Não há a possibilidade do ressarcimento junto ao governo.
Não existe almoço de graça. Para os planos fazerem frente aos compromissos cobertos ou não, é necessária a existência de um fundo de onde o numerário para custear a operação é sacado. Quem paga esse fundo, ou seja, quem banca a operação, é o consumidor, os 50 milhões de brasileiros cobertos pelos planos de saúde privados.
Ao contrário do que muita gente imagina, não são as operadoras que pagam os tratamentos. Elas até podem adiantar o dinheiro, mas em algum momento vão buscá-lo de volta, no reajuste das mensalidades de seus clientes. E está correto ser assim. Se a operadora ficar com a conta, há o risco de clientes que nunca usaram o plano, na hora de necessidade, ficarem sem atendimento porque a empresa não tem mais recursos para custear as despesas.
O ano que vem será um ano particularmente complexo. A economia não irá bem, independentemente das medidas adotadas para saneá-la. Antes de retomar o crescimento, a nação tem que fazer a lição de casa para desfazer todos os equívocos praticados nos últimos anos porque a Presidente da República imagina que entende de economia.
Para baixar a inflação é indispensável cortar custos, aumentar impostos, investir em medidas capazes de readequar a competitividade do país. Isso pode ser feito – e deve ser feito –, mas custará caro para a sociedade.
Se tudo der certo, o ano de 2015 acaba com a economia empatada. Se algo escapar da forma, o país perde o jogo. É neste cenário que as operadoras terão que enfrentar as consequências das enormes deficiências da rede pública de saúde.
Os hospitais que atendem o SUS estão em boa parte sucateados. Pagamentos insuficientes, corrupção, incompetência administrativa e baixa remuneração são complicadores difíceis de serem consertados, especialmente numa quadra de crise.
Não é crível que, ao longo do ano que vem, o governo mude sua postura e passe a investir nos patamares necessários para resgatar o atendimento à saúde da população. Evidentemente, algumas medidas serão implementadas com sucesso, mas não serão suficientes para modificar o quadro.
O resultado será o aumento da transferência dos custos da saúde pública para as operadoras privadas. Com uma agravante séria: pessoas atualmente atendidas pelos planos privados correm o risco de perder seus empregos em função da recessão que atinge a indústria nacional. Como grande parte dos planos de saúde privados é custeada pelas empresas, a dispensa de funcionários significa a diminuição do faturamento das operadoras de saúde.
Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. De um lado a pressão sobre os planos em função da transferência de procedimentos não cobertos para sua conta. De outro a diminuição do faturamento pela exclusão de segurados. As duas coisas agravadas pela crise, pela inflação e pela desvalorização do real. Na medida em que os últimos balanços de várias delas não trouxeram números bons, com certeza será um ano no mínimo complicado para várias operadoras privadas.
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