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Crônicas & Artigos

em 09/09/19

Paradoxos

Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça

Recente pesquisa realizada pelo IESS em parceria com o Ibope dá conta de que 80% dos possuidores de planos de saúde privados estão satisfeitos com eles. Mais do que isso, estão satisfeitos com os planos que possuem e não pretendem sair deles. Além disso, 88% dos entrevistados indicariam seus planos para parentes e amigos.

Na mesma linha, outra pesquisa coloca os planos de saúde privados como terceiro sonho de consumo dos brasileiros. Sonho que é realidade para um quarto da população, justamente os que consideram que os seus planos de saúde oferecem atendimento eficiente.

Na contramão destes dados, os processos judiciais contra os reajustes de preço dos planos de saúde cresceram várias vezes, saltando de duzentos e poucos, alguns anos atrás, para mais de dois mil, no primeiro semestre deste ano.

Visto assim, sem uma análise mais acurada, é um aumento impressionante, mas que, colocado dentro do contexto, perde muito do impacto.

O Brasil tem mais ou menos quarenta e oito milhões de segurados de planos de saúde privados. A maioria deles, através de planos coletivos, os quais permitem o reajuste do preço com base na sinistralidade da operadora e da massa especificamente segurada.

Estes reajustes têm ficado muito acima da inflação – isto acontece em todo o mundo – e é aí que a vaca vai para o brejo. Os reajustes dos custos médicos e hospitalares não estão diretamente atrelados apenas à inflação da economia. Eles estão sujeitos a outras variáveis, como os preços praticados pela indústria farmacêutica e pelos fabricantes de equipamentos.

É ingenuidade imaginar que um tomógrafo de alta resolução ou um aparelho de ressonância magnética de última geração vai custar a mesma coisa que uma máquina de abreugrafia ou outros equipamentos semelhantes de versões anteriores.

No Brasil, o quadro fica pior ainda porque temos a variação do dólar como fator de agravação do quadro, na medida que mais de 90% dos insumos e equipamentos utilizados pelo setor de saúde são importados.

Apesar disso, num universo de mais de quarenta e oito milhões de segurados, foram distribuídos pouco menos de três mil processos.

Mas se, em termos proporcionais, a conta é baixa, o reajuste dos preços é um problema muito sério, até porque, com a quantidade de desempregados e subempregados do país e com a renda per capita abaixo de três mil reais por mês, é complicado se falar em reajuste de 17% em um item de primeira necessidade, como é o caso dos planos de saúde.

O ideal seria a profunda revisão das regras em vigor para o setor. A Lei dos Planos de Saúde Privados, de 1998, é ruim, sempre foi ruim, e os remendos possíveis foram feitos sem que a essência do problema tenha sido modificada. Isto só será possível se os planos de saúde puderem ter conceito básico diverso do atual.

Como esta possibilidade não faz parte do universo legislativo brasileiro, é indispensável todos os envolvidos no tema concordarem em fazer sua parte para evitar o agravamento do quadro.

Aí entram as operadoras dos planos de saúde, que precisam melhorar seus controles para evitar fraudes e desperdícios; os hospitais privados, que não apresentam suas contas com a transparência necessária; os médicos e prestadores de serviços, que nem sempre entendem que não dá para cobrar o que querem porque há uma limitação intransponível, que é a capacidade de pagamento da sociedade.

Alguns especialistas falam que o custo operacional do setor está em 80%. Se somarmos a ele 15% de despesas administrativas e 10% de despesas comerciais – o que é baixo -, com a taxa de juros atual, a conta não fecha.

Como nenhuma empresa consegue sobreviver por muito tempo gastando mais do que fatura, os nós do setor, dentro do que é possível fazer, precisam ser equacionados rapidamente, até para que, quando a retomada do desenvolvimento se consolidar, os brasileiros que retornarão ou ingressarão nos planos de saúde privados tenham um produto mais amigável, não apenas no atendimento, mas também no momento do custeio.

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