O preço da falta de bom senso
Originalmente publicado no jornal SindSeg SP.
por Antonio Penteado Mendonça
Depois da Segunda Guerra Mundial, a expectativa de vida subiu em praticamente todos os países, independentemente de serem ricos ou pobres.
No Japão já está acima dos noventa anos e há quem fale que a pessoa que vai viver mais de cento e vinte anos já nasceu.
No Brasil saltamos de uma expectativa de vida de menos de cinquenta anos em 1939 para mais de setenta em 2019. É um número impressionante, que tem forte impacto na previdência social e na saúde pública, porque implica no aumento dos gastos com a população.
Essa mudança vertiginosa não aconteceu por acaso. Atrás dela tem muito trabalho ao longo dos últimos setenta anos e não causa espanto a aceleração ter-se dado após uma guerra das proporções do conflito de1939 a 1945.
Em função da guerra, pesquisas intensas foram realizadas para a descoberta da cura e da imunização de doenças que poderiam afetar os soldados nos diferentes fronts. Antibióticos, remédios para queimaduras, fraturas, anestesias, doenças da pele, dos olhos, etc., foram rapidamente desenvolvidos para garantir as condições de saúde das tropas envolvidas nos combates. Da mesma forma, vacinas eficientes foram desenvolvidas para evitar que o contágio de doenças endêmicas ou epidêmicas interferissem no desempenho dos soldados.
Com o final da guerra, elas foram colocadas no mercado e se tornaram o mais eficiente meio de combate a poliomielite, coqueluche, tétano, sarampo, gripe, meningite, hepatite, etc.
Reforçando o quadro, a produção de alimentos em patamares inimagináveis meio século atrás, pela primeira vez na história, em quantidade suficiente para alimentar a população humana, melhorou muito a resistência física das pessoas e reduziu a mortalidade infantil.
Como se não bastasse, as políticas de tratamento de água e saneamento básico reduziram ainda mais a propagação das moléstias.
O impressionante é que, em pleno século 21, com informações sobre todos os assuntos à disposição da sociedade, várias doenças praticamente erradicadas há décadas estão de volta. Algumas delas em caráter epidêmico.
Entre as principais razões para isso estão a rejeição às vacinas e aos produtos consequentes dos avanços das ciências agrícolas e a disseminação de notícias falsas, vendidas como “científicas”, através das redes sociais.
O Brasil está vivendo um surto de sarampo. Mais de mil e seiscentos casos da doença já foram confirmados em São Paulo e os outros estados, puxados por Roraima, por onde, ao que parece, a doença entrou no país, apresentam quadros similares.
Na base está a queda dos percentuais de pessoas vacinadas contra esta e outras doenças que estavam erradicadas e começam a voltar.
O fenômeno não é nacional. A Grã-Bretanha vive situação semelhante e vários outros países da Europa e os Estados Unidos se deparam com o quadro.
O apavorante é a falta de lógica no comportamento das pessoas. O movimento que originou a situação propõe uma volta à “pureza do passado”, sem levar em conta os números capazes de mostrar o tamanho do equívoco.
A expectativa de vida na Europa, antes da Segunda Guerra Mundial, mal chegava aos cinquenta anos de idade. E antes disto, até o século 19, a Europa era sacudida por epidemias devastadoras de doenças que matavam dezenas de milhares de pessoas em cidades como Londres, Paris, Roma ou Berlim.
As populações também morriam de fome, o que deu causa ao processo de imigração para a América. E a falta de saneamento básico se encarregava de fechar o círculo, matando, principalmente, dezenas de milhares de crianças.
Mas nada disso é levado em conta. As notícias falsas dando conta de que as vacinas matam e que os alimentos modernos não são seguros se espalham e encontram milhares de pessoas que acreditam nelas.
Como o cenário vai piorar ao longo dos próximos anos, os custos com saúde pública, no Brasil e no mundo, sofrerão uma pressão inexorável, que demandará mais recursos por parte dos governos e das operadoras de planos de saúde privados.
Não há mágica debaixo do sol. A irresponsabilidade de uma minoria tem potencial para atingir todo o corpo social, fazendo vítimas indistintamente, e aumenta de forma generalizada os custos com a prevenção e o tratamento das doenças que estão de volta.
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