Memória do seguro
Originalmente publicado no jornal SindSeg SP.
por Antonio Penteado Mendonça
A Academia Nacional de Seguros e Previdência – ANSP – tem um projeto fascinante, chamado “Memória do Seguro”. São entrevistas com acadêmicos que contam sua trajetória profissional, desde o início da carreira até os dias atuais. Neste percurso, surge a história do seguro no Brasil, da década de 1960 para cá. É uma história rica e importante para entender muita coisa que aconteceu na economia e na vida empresarial da nação.
Através dos depoimentos é possível rastrear a evolução de um segmento econômico que, há 30 anos, representava menos de 1% do PIB e atualmente comparece com algo próximo de 6% para o resultado da conta.
Fica mais fácil entender porque as resseguradoras agem como agem; por que não aceitam determinados riscos; por que tantas vieram para o Brasil; por que estão se decepcionando com o país.
Dá para entender como e por que o seguro de veículos de patinho feio, na década de 1980, se transformou no carro chefe do mercado, com forte peso, capaz de mudar o resultado consolidado do mercado até os dias de hoje. Fica clara a opção feita pela Porto Seguro e as consequências do profissionalismo dessa seguradora no trato do seguro de veículos, não apenas como gerador de prêmio, mas como ferramenta para colocação de outros produtos e serviços que diferenciam atuação de uma seguradora.
Nos depoimentos surgem passagens fascinantes que, de uma forma ou de outra, auxiliaram a formatar e dar cara ao mercado. Nem tudo o que foi feito deu certo ou gerou frutos de longo prazo. De outro lado, algumas soluções engenhosas, como a adoção de índices para permitir o recebimento dos prêmios e o pagamento das indenizações no período de hiperinflação, permitiram que produtos em princípio condenados pela desvalorização da moeda conseguissem não apenas se manter, mas cumprir sua função social, como foi o caso dos seguros de vida em grupo nas décadas de 1980 e 1990.
Não fosse a engenhosidade dos profissionais do setor, não haveria como o seguro de vida poder existir num cenário adverso, como aconteceu com a economia nacional naqueles anos. O seguro de vida em grupo é um seguro de morte, sem qualquer capitalização ou poupança. Sendo um seguro de pré-pagamento, com a substituição do capital segurado em moeda corrente por um índice a ser corrigido até a data dos pagamentos dos prêmios e das indenizações, ele se mostrou viável e uma ferramenta importante para a proteção social, num período economicamente conturbado da vida brasileira.
Através dos depoimentos também é possível se entender a importância dos pacotes multirriscos para os seguros patrimoniais nos dias de hoje. Como eles foram pensados, por que praticamente acabaram com a tarifa de incêndio como ferramenta para taxar este tipo de risco, etc.
O projeto “Memória do Seguro”, além de preservar a história do segmento, com passagens desconhecidas trazidas à vida outra vez, nas palavras de diferentes personagens que participaram ativamente do desenvolvimento do seguro brasileiro, serve de vitrine para se conhecer pessoas que, na sua época, foram fundamentais para a consolidação do setor.
No mundo nada é de graça. Cada ação gera uma reação. É assim que as coisas caminham desde que o primeiro antepassado do homem sapiens desceu da árvore para começar a viver no chão, o que o levou a caminhar em duas pernas.
O seguro não é tão antigo, mas sua história no país, iniciada com a vinda da família real portuguesa em 1808, é rica, bonita e edificante.
Além disso, serve de base para análises do desenvolvimento socioeconômico do brasileiro das diferentes classes sociais. Através da penetração do seguro é possível estudar o amadurecimento das diferentes camadas da população, sua tomada de consciência quanto à necessidade de proteger a vida e o patrimônio, a evolução da compreensão de relações mais sofisticadas, a ideia de poupança e solidariedade, etc.
O projeto “Memória do Seguro” é a enciclopédia do setor, mas, ao contrário dos textos frios dos verbetes das enciclopédias, ele traz uma história gostosa de ser conhecida, contada com detalhes inusitados, por quem participou ativamente dela.