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Crônicas & Artigos

em 08/10/18

Imperícia, imprudência e negligência

Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça

O Brasil tem mais de quarenta e três mil mortos no trânsito todos os anos. Mas o que mais impressiona é que 75%, ou três em cada quatro mortos, são vítimas de acidente com moto.

Não é por outra razão que o DPVAT (seguro obrigatório de veículos automotores terrestres) de motocicletas custa mais caro do que o de veículos de passeio. Nem poderia ser diferente, já que outras trezentas mil indenizações são pagas a título de invalidez permanente, mantendo a mesma proporção.

Por que dou ênfase aos acidentes com moto? Porque na base da tragédia viária nacional estão três palavras cujas definições dão causa a mais de 90% do total dos acidentes de trânsito no Brasil.

Imperícia, imprudência e negligência. Três palavras com forte impacto jurídico. São as premissas da ideia de culpa no ordenamento legal nacional. São os atos ilícitos que causam danos a terceiros, sem a intenção deliberada de causá-los.

Mais de 90% dos acidentes de trânsito são consequência de ações desta natureza. Há imperícia, imprudência ou negligência na origem do dano.

Sem seguir uma ordem hierárquica da importância de cada uma delas, começo analisando os impactos da imperícia nos acidentes de trânsito. Imperícia que se agrava ainda mais quando o tema são os acidentes envolvendo motocicletas. Grande parte dos motociclistas que cruzam as vias brasileiras não são legalmente habilitados ou, ainda que habilitados, não dominam a máquina. Quer dizer, não estão preparados para os desafios impostos pela ação de conduzir um veículo – no caso, tanto faz se uma moto, um carro de passeio ou um veículo pesado.

Não conhecem os botões e hastes de comando, não dominam as técnicas para dirigi-lo, não sabem executar as manobras para evitar acidentes, não conhecem a sinalização, não conseguem colocar o veículo corretamente na sua faixa de rolamento. Se apavoram com chuva, neblina, tráfego intenso ou faróis vindos na direção contrária e o resultado é, ainda que dirigindo devagar, o aumento da possibilidade de darem causa direta ou indireta a um bom número de acidentes. Afinal, ser lento não significa dirigir bem.

A segunda causa é a imprudência. O ato de praticar ações ou tomar decisões sem levar em conta o que pode acontecer. O caso mais típico é o excesso de velocidade, seguido da ultrapassagem em local proibido e de trafegar na contramão.

“Aqui nunca tem trânsito, por isso eu entrei. Calculei a distância do veículo vindo na outra pista e achei que dava para ultrapassar o caminhão, mas não deu. Achei que dava para acelerar mais sem perder a direção, mas não deu.”

São explicações comuns depois da ocorrência dos acidentes. O mais fantástico é que muitos motoristas, mesmo depois de causarem o acidente, não aceitam que foi culpa sua. Na sua interpretação, foi falta de sorte, destino… E isso se aplica, lamentavelmente, aos que dirigem depois de ingerir bebida alcoólica. Invariavelmente, não se julgam culpados pelos danos que causam. É tudo obra do destino.

A terceira palavra é tão terrível quanto as duas primeiras. A negligência tem o poder de causar danos os mais sérios, mas a possibilidade de causá-los não comove parte dos motoristas. Assim, os veículos trafegam sem manutenção, com pneus carecas, freios gastos e peças defeituosas.

A quantidade de veículos com luzes queimadas assusta. Da mesma forma que com pneus carecas, o que fica evidente na saída numa subida, num dia de chuva. O carro patina e não sai do lugar.

Mas mais dramática do que a negligência do motorista é a negligência do Estado. Não se faz nada para educar os motoristas a respeitarem motos, bicicletas e pedestres. Também não se faz nada para ensinar os motoqueiros a respeitarem as regras de trânsito. Como não se pensa em educar os ciclistas quanto aos demais veículos ou a pedestres. O importante é multar e isso o Estado brasileiro faz bem. Quanto ao resto, como a manutenção das vias, sinalização, faixas de pedestres, faixas separando as pistas, traçado da rua… ora, o resto é resto. É como se o Estado não tivesse nada com isso.

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