É preciso ler o contrato
Originalmente publicado no jornal SindSeg SP.
por Antonio Penteado Mendonça
Entre as coisas que o brasileiro não gosta de fazer, ler se destaca com enorme evidência. Comparando com outros povos, o brasileiro lê poucos livros, jornais, revistas, bulas de remédio, etc.
Só que o problema vai mais longe. Nós não gostamos de ler contratos e documentos legais que podem interferir em nossas vidas. O resultado é que invariavelmente surgem problemas decorrentes da ignorância daquilo que foi assinado, porque a assinatura foi feita sem que o documento tivesse sido inteiramente lido. O cidadão pergunta ao outro se está tudo certo e, quando o outro diz que sim, ele assina. Não porque confia, mas porque não gosta de ler e os contratos e documentos legais costumam ser muito chatos, monótonos, escritos em letras pequenas, com muitos parágrafos, itens e subitens, que tomam muito tempo de quem deve assinar, razão pela qual ele faz de conta que confia e assina, ainda que podendo ter um prejuízo decorrente da aceitação da avença, confirmada pela assinatura no local do contratante.
Com certeza, os contratos de seguros não são documentos alegres. A leitura é pesada e complicada, existem termos técnicos, palavras difíceis, definições complexas, muitas vezes além do alcance da capacidade de entendimento de quem está contratando a apólice. O resultado é que a maioria dos contratos de seguros é pouco conhecida pelos segurados e o resultado desse desconhecimento pode acabar num processo judicial, porque a seguradora, ao contrário do que o segurado espera, não paga determinada indenização não coberta pela apólice.
É preciso dizer que a judicialização das relações de seguros é menor do que dizem. São milhões de apólices emitidas e procedimentos autorizados todos os anos, o que faz com que a taxa de processos envolvendo essa atividade fique baixa quando comparada com outras relações de consumo.
Muito desse resultado é fruto da atuação do corretor de seguros. Ainda que a lei brasileira não diga que o corretor de seguros é o representante do segurado nas relações com a seguradora, a definição internacional da atividade coloca o corretor de seguros nessa situação e o mercado nacional, seguindo a regra internacional, faz do corretor, na prática, o representante do segurado.
Profissional treinado para trabalhar com apólices de seguros e assessorar seus clientes, o corretor de seguros se encarrega de conhecer os produtos que oferece aos seus segurados, explicando o quê e como está coberto e o que não está coberto. Assim, mesmo sem ler o contrato, o segurado sabe, grosso modo, o que contratou e, se surgir alguma dúvida, ele tem sempre o seu corretor para esclarecê-la.
É uma solução que, na prática, funciona com bastante eficiência. Mas existem situações em que a explicação do corretor de seguros pode não ser suficiente para transmitir para o segurado as informações necessárias para ele saber o que efetivamente contratou. É aí que a porca torce o rabo.
O desconhecimento pode gerar desconfianças e dúvidas que empanam a transparência da relação segurado/corretor e segurado/seguradora.
Se o brasileiro lesse com mais assiduidade o que está contratando, inclusive porque é do seu interesse direto saber os detalhes do negócio realizado, com certeza esse problema seria muito menor.
Como, na prática, repita-se, não é isso o que acontece, o jeito encontrado para minimizar o problema foi a criação de manuais do segurado, onde as seguradoras explicam de forma descomplicada e rápida as principais tipicidades de seus produtos. Foi um passo importante no sentido de melhorar as relações de consumo do setor e que agora vai sendo complementado pela simplificação da linguagem das apólices.
Abandonar o “segurês” se faz necessário e urgente. Sintonizadas com seu tempo, a maioria das seguradoras está tornando suas apólices menos herméticas, mais simples e objetivas, mas isso não significa que as divergências vão acabar. Enquanto o brasileiro insistir em assinar sem ler, nem toda a boa vontade do mundo será capaz de colocar fim aos problemas e divergências decorrentes do desconhecimento do contrato.
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