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Crônicas & Artigos

em 24/11/14

E o seguro garantia?

Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo
por Antonio Penteado Mendonça

O Brasil está numa crise séria, disfarçada pela maquiagem das contas públicas, além do congelamento forçado de preços administrados, como energia elétrica, combustível e transporte urbano. Como se não bastasse, o dólar deve continuar a se valorizar em relação ao real.

O melhor sinal de que a situação é delicada foi o aumento dos juros básicos pelo Banco Central menos de uma semana depois das eleições. Se estivéssemos num mar de rosas, com tudo caminhando bem, não haveria razão para aumentar o juro básico; ao contrário, a lógica seria sua redução.

Mas além da crise econômica, decorrente da falta de competência do governo no campo econômico, o país atravessa outra crise, tão ou mais grave, decorrente da incompetência do governo na gestão administrativa e operacional da nação.

A maioria das grandes obras em andamento, contratadas ao longo dos últimos doze anos, está atrasada. Outra parte significativa nem saiu do papel e um terceiro bloco está completamente abandonado, como é o caso da transposição das águas do Rio São Francisco.

A questão é que estas obras foram licitadas e o vencedor da licitação deveria apresentar seguro de garantia para assinar os contratos. Ora, se elas foram licitadas, mas nem saíram do papel, ou foram abandonadas, ou estão atrasadas, configura-se uma série de sinistros eventualmente cobertos por estas apólices.

Qual o grau de comprometimento do setor de seguros diante desta situação? Com certeza, no total, o comprometimento não deve ser significativo. Não são muitas as seguradoras que operam com este tipo de risco e as que o fazem têm limites de retenção relativamente pequenos, o que joga o problema para suas resseguradoras.

Muitos especialistas dizem que a responsabilidade pelos atrasos é do governo. Mas se o governo licitou e empresas privadas venceram as licitações para tocar as obras, assinando os contratos e assumindo os compromissos legais deles decorrentes, até que ponto a responsabilidade não passa a ser delas, dando ao governo o direito de acionar os seguros dados em garantia da execução dos contratos, nos prazos e preços avençados?

Pode ser que existam situações em que, pela dinâmica contratual, os seguros estejam cancelados em função de ações ou omissões do governo e dos contratados. Um exemplo fácil para explicar esta situação é a repactuação do contrato sem anuência da seguradora. Caso tenha ocorrido, a seguradora fica isenta da obrigação de pagar qualquer indenização.

Mas e nos casos em que a repactuação dos contratos sem anuência da seguradora não tenha acontecido, ou ela tenha anuído, como ficam os responsáveis pelas obras não realizadas, abandonadas ou atrasadas?

Dentro da regra geral aplicável a estes seguros, trata-se de situações com alto potencial da configuração de sinistros cobertos, ou seja, situações em que as seguradoras poderão ser acionadas para completar as obras ou pagar empresa capaz de realizá-las, nos termos e condições dos contratos originalmente garantidos por suas apólices.

Isto pode significar sinistros cobertos na casa das dezenas de bilhões de reais. Como? Qual o valor do contrato para construção de uma usina hidroelétrica? Qual o valor do contrato para a transposição das águas do Rio São Francisco? E assim sucessivamente, nas dezenas de obras fora do organograma original.

Não é certo que todas tenham seguros para garantir sua execução. Não é sequer certo que tenham algum tipo de garantia em favor do governo. No universo opaco das contratações de obras públicas nos últimos doze anos é muito difícil se saber seja lá o que for, como vem sendo demonstrado pelas apurações dos escândalos que abalaram a Petrobrás.

Importante frisar que, em caso da constatação de ações dolosas por parte dos segurados e dos garantidos, a seguradora também fica livre do pagamento das indenizações. Isto é muito importante para elas, porque, se forem colocadas diante dos valores a serem assumidos, a conta pode ficar muito cara e algumas resseguradoras podem não querer comparecer com sua parte.

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