E o ano acabou
Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça
Na longa história dos calendários, poucos anos, pelo menos nas últimas décadas, foi tão complexo quanto 2020. Com impacto global, o ano começou quente e acabou fervendo. As coisas, de março em diante, ganharam velocidade e as notícias ruins se sucederam rapidamente, com mais de um milhão e seiscentos mil mortos ao redor do planeta, vítimas da pandemia do coronavírus.
Para quem pensa que o pesadelo acabou porque as vacinas foram desenvolvidas em tempo recorde de menos de um ano, a má notícia é que entre desenvolver e aprovar uma vacina e imunizar a população vai um espaço imenso. As questões de logística se impõem ditatorialmente, limitando a capacidade de ação dos governos, por mais que eles queriam correr e imunizar seu povo antes do vizinho.
Transporte, armazenamento, equipes de suporte, seringas, desinfetante, algodão, material de limpeza, etc. são peças tão importantes quanto as vacinas. Sem eles não é possível a aplicação do imunizante e, mesmo que estejam no lugar certo, na hora certa, imunizar milhões de pessoas leva tempo porque tem uma capacidade diária máxima que não é possível ser ultrapassada.
Como se não bastasse, a capacidade de fabricação e entrega das vacinas não é infinita, nem imediata. É necessário tempo para os laboratórios produzirem os bilhões de doses necessários para imunizar a população global. Além disso – quem pode mais chora menos -, os laboratórios que estão produzindo as vacinas estão em países que querem desesperadamente a vacina. Será que alguém, em sã consciência, acha que as entregas serão democraticamente feitas, de forma proporcional ao tamanho das diferentes populações dos diferentes países? Ou levarão em conta valores como pátria e poder econômico?
No caso brasileiro, o desinteresse do Governo Federal no combate à pandemia agravou ainda mais o quadro. Em primeiro lugar, pela falta de coordenação do Ministério da Saúde, que desorganizou o atendimento. Em segundo, pela demora em comprar vacinas. Em terceiro, pela falta de visão política, que ameaça as ações de combate eficiente à pandemia. E, em quarto, porque a única ação séria, adotada pelo Estado de São Paulo, ainda corre o risco de ser torpedeada pelo ciúme federal.
É complicado, mas nós não temos condições de vacinar a população em quantidades significativas, antes do segundo semestre. Não é questão de querer ou não querer, é que não tem vacina para os duzentos milhões de brasileiros serem imunizados.
De outro lado, o Brasil, mais uma vez, mostra enorme capacidade de recuperação. A crise prevista no começo da pandemia, que derrubaria a economia ao redor de 10%, de verdade, deve ficar na metade disso.
O problema é que a inflação é uma ameaça concreta e tem base sólida para se estabelecer. As exportações retiraram produtos do mercado interno, a desvalorização do Real diante do Dólar cobra seu preço; a desorganização da economia faz faltarem insumos de todas as naturezas, comprometendo a capacidade da indústria; o desemprego está no mais alto nível da história brasileira; mais de cem milhões de brasileiros são vítimas da desigualdade social e vivem com algo próximo de um salário mínimo por mês.
Perto de cento e noventa mil brasileiros perderam a vida, vitimados pela Covid19, em 2020. E, ao longo de 2021, mais alguns milhares continuarão morrendo, até que a população seja efetivamente imunizada.
Apenas agora, ao que parece, está se criando uma coordenação séria em plano nacional. O governo fala, promete, mas o executar, o tirar do papel, que é bom, ainda não aconteceu. Estamos patinando, correndo o risco de nos tornarmos párias no concerto das nações.
Os problemas vão de meio ambiente a desenvolvimento sustentável, passando pela violência, saúde pública, educação, desigualdade social, corrupção e incompetência. Todos de difícil solução.
2021 será um ano mais do que desafiador. Os desafios são gigantescos, como nação e como sociedade. Mas, entre secos e molhados, tem tudo para ser melhor do que 2020. 2020 será o ano que não deixou saudades.