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Crônicas & Artigos

em 02/09/19

DPVAT – faltou bom senso

Originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.
por Antonio Penteado Mendonça

O orçamento do Ministério da Saúde para este ano é de cento e vinte bilhões de reais já garantidos e, eventualmente, alguma coisa a mais. Em dólares, significa trinta bilhões de dólares. A comparação com os Estados Unidos é patética. Os gastos norte-americanos com saúde chegam a três trilhões de dólares. Assim, ainda que colocando os recursos dos planos de saúde privados na conta, da ordem de cento e oitenta bilhões de reais, teríamos uma destinação total de pouco menos de oitenta bilhões de dólares para fazer frente aos gastos com saúde da sociedade brasileira.

O dado bom deste quadro é que, apesar da escassez de recursos, socialmente, o SUS funciona e, dependendo da área de atendimento, funciona bem. O problema do sistema, além do evidente cobertor curto, é o ingresso nele. Depois disso, saindo dos prontos-socorros e entrando nos hospitais, o atendimento, ainda que precário, às vezes incerto numa determinada data, entre secos e molhados, funciona e o brasileiro acaba tendo um atendimento médico hospitalar moderadamente satisfatório, ainda que visto como impossível, em função dos poucos recursos alocados para a área.

O dado ruim é que o SUS está sobrecarregado. A crise dos últimos anos jogou mais três milhões de pessoas, antes atendidas pelos planos de saúde privados, na rede pública, obrigando a divisão dos parcos recursos por um número maior de pacientes.

O SUS disponibiliza aproximadamente seiscentos reais por ano para cuidar da saúde de cada cidadão brasileiro. É menos do que o preço de uma consulta de um bom clínico geral. E o valor inclui tudo, de consulta a cirurgia, de exames a tratamento.

Neste cenário de cinto muito apertado, o Governo ainda é obrigado a comparecer com mais de dez bilhões de reais anualmente para custear os casos decorrentes da judicialização da saúde e fora do rol de coberturas oficial.

É aí que vem a pergunta que não quer calar: será que, ao reduzirem o preço do DPVAT, o seguro obrigatório de veículos, ninguém do Governo fez conta?

Por lei, quarenta e cinco por cento dos recursos do DPVAT são destinados ao Ministério da Saúde como remuneração para a rede públicas que, hipoteticamente, atende pelo menos metade das vítimas de acidentes de trânsito.

Até dois anos atrás, este repasse atingia a significativa soma de três bilhões de reais por ano. Será que o SUS, com os recursos e o desenho mostrado acima, está em condições de abrir mão de três bilhões de reais?

Para dar uma ideia do que três bilhões de reis podem custear, a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, que atende mais de dois milhões e meio de pacientes por ano, para fazer este atendimento, fatura do sistema público de saúde algo próximo de setecentos milhões de reais.

Quer dizer, ao reduzirem o preço do DPVAT da forma como o fizeram, as autoridades encarregadas do setor de seguros retiraram do sistema público de saúde o equivalente aos recursos destinados a custear, nos parâmetros de hoje, quatro Santas Casas de São Paulo, ou o necessário ao atendimento de dez milhões de pessoas por ano.

Supondo que não haja necessidade de aumentar o número de pessoas atendidas pelo SUS, estes três bilhões de reais seriam muito benvindos para melhorar a qualidade e a rapidez do atendimento oferecido à população.

Mas se pensarmos que a dengue explodiu, a febre amarela corre solta e a chicungunha e a zika não apresentam sinais de arrefecimento, a saúde pública brasileira deve continuar sendo pressionada pelo aumento dos pacientes que buscam a rede.

Com mais uma agravante: o sarampo, erradicado do país há vários anos, não só voltou, como se transformou em epidemia, com São Paulo, já com mais de mil e setecentos casos confirmados, apresentando um número crescente de doentes a cada semana que passa. E o resto do país não é diferente.

Será que não teria sido mais inteligente aumentar o valor segurado do DPVAT e manter o preço anterior do seguro? De um lado, as vítimas dos acidentes de trânsito e seus beneficiários receberiam mais e, de outro, o SUS teria mais recursos para atender a população.

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